"A literatura tem essa magia de nos tornar contemporâneos de quem quisermos." (Inês Pedrosa)

segunda-feira, 29 de março de 2010

Inventar Amigos

"Com uma tal falta de gente coexistível, como há hoje, que pode um homem de sensibilidade fazer senão inventar os seus amigos, ou quando menos, os seus companheiros de espírito?"

(Fernado Pessoa)

domingo, 28 de março de 2010

Trabalho de Equipe















— Como foi aquela história mesmo?
— Eram 4 terráqueos: Todomundo; Alguém; Qualquerum e Ninguém.
— Isto mesmo! Continua...
— Havia um importante trabalho a ser feito.
— Certo!
— Todomundo pensou que Alguém o faria.
— Qualquerum podia fazer?
— Sim, Qualquerum podia, mas Ninguém fez.
— Ninguém!
— Todomundo sabia que Qualquerum podia fazer, mas Ninguém imaginou que Todomundo deixaria de fazer esperando Qualquerum.
— E dai? Como é que ficou?
— Todomundo culpou Alguém, quando Ninguém fez o que Qualquerum podia ter feito.


(Marcelo Ferrari - Blog)



sexta-feira, 26 de março de 2010

Sentir

Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir. Sentir tudo de todas as maneiras.

Sentir tudo excessivamente, porque todas as coisas são, em verdade, excessivas e toda a realidade é um excesso, uma violência, uma alucinação extraordinariamente nítida que vivemos todos em comum com a fúria das almas, o centro para onde tendem as estranhas forças centrífugas que são as psiques humanas no seu acordo de sentidos.

(Álvaro de Campos)

quinta-feira, 25 de março de 2010

Enfadonho Mundano

Hamlet - "Ah, se esta carne podre se derretesse, se dissipasse, se dissolvesse no orvalho. E o Eterno não tivesse estabelecido mandamento contra os suicidas!

Ó Deus! Ó Deus! Quão enfadonha, árida, débil e inútil parece-me toda a praxe deste mundo! Vergonha! É um jardim estéril em que não germina semente alguma. A luxúria e a lascívia apropriam-se totalmente."


(Shakespeare em "Hamlet")

terça-feira, 23 de março de 2010

Desilusões

XXI. DAS ILUSÕES

Meu saco de ilusões, bem cheio tive-o.

Com ele ia subindo a ladeira da vida.

E, no entretanto, após cada ilusão perdida...

Que extraordinária sensação de alívio!


[Mario Quintana]

segunda-feira, 22 de março de 2010

A trôpega velhice

Quando a trôpega velhice coloca os homens à beira da sepultura, então, na medida do que sei e do que posso, eu os faço de novo meninos. De onde o provérbio: Os velhos são duas vezes crianças.

Perguntar-me-eis, sem dúvida, como o consigo. Da seguinte forma: levo essas caducas cabeças ao nosso Letes (porque, entre parênteses, sabeis que esse rio tem sua nascente nas ilhas Fortunadas e que um seu pequeno afluente corre nas proximidades do Averno) e faço-as beber a grandes goles a água do Esquecimento. E é assim que dissipam insensívelmente as suas mágoas e recuperam a juventude. Alegar-se-á, contudo, que deliram e enlouquecem: pois é isso mesmo, justamente nisso consiste o tornar a ser criança. O delírio e a loucura não serão, talvez, próprios das crianças? Que é que, a vosso ver, mais agrada nas crianças?

(Erasmo de Roterdam em "Elogio da Loucura", 1509)

A Feliz Loucura

Um grego, de cujo nome não me recordo, era do mesmo parecer, e a sua história é tão engraçada que eu até quero contá-la. Esse homem era louco de todas as formas: desde manhã muito cedo até tarde da noite, ficava sentado sozinho no teatro e, imaginando que assistia a uma magnífica representação, embora na realidade nada se representasse, ria, aplaudia e divertia-se à grande. Fora dessa loucura, ele era, em tudo o mais, uma ótima pessoa: complacente e fiel com os amigos; terno, cortês, condescendente com a mulher; indulgente com os escravos, não se enfurecendo quando via quebrar-se uma garrafa. Seus parentes deram-se ao incômodo de curá-lo com heléboro; mal, porém, ele voltou ao estado que impropriamente se chama de bom senso, dirigiu-lhe esta bela e sensata apóstrofe: “Meus caros amigos, que fizeram vocês? Pretendem ter-me curado e, no entanto, mataram-me; para mim, acabaram-se os prazeres: vocês me tiraram uma ilusão que constituía toda a minha felicidade”.

(Erasmo de Roterdam em "Elogio da Loucura")

sábado, 20 de março de 2010

A Amizade

Sem alegria, a vida humana nem sequer merece o nome de vida!

... a doçura de uma terna e fiel amizade ultrapassa todos os outros prazeres, sendo tão necesária à vida como o ar, água, o fogo. - Tão agradável é a amizade - acrescentam - que afastá-la do mundo equivaleria a afastar o sol; em suma, é ela tão honesta (vocábulo sem significado para mim) que os próprios filósofos não hesitam em incluíla entre os principais bens da vida.

Coragem, vamos! Dissimular, enganar, fingir, fechar os olhos aos defeitos dos amigos, ao ponto de apreciar e admirar grandes vícios como grandes virtudes, não será acaso, avizinhar-se da loucura?... não será isso uma verdadeira loucura? Bradem, pois, quanto quiserem, ser uma grande loucura é a única que cria e conserva a amizade!

Não traz o Cupido, esse autor, esse pai de toda ternura, uma venda nos olhos, que lhe faz confundir o belo com o feio?

(Erasmo de Roterdam - Elogio da Loucura)

quinta-feira, 18 de março de 2010

Infancia

"Como é bom viver! mas sem sabedoria, porque está é o veneno da vida."...

Todas sabem que a infancia é a idade mais alegre e agradável. Mas, que é que torna os meninos tão amados? Que é que nos leva a beijá-los, abraçá-los e amá-los com tanta afeição? Ao ver esses pequenos inocentes, até um inimigo se enternece e os socorre. Qual é a causa disso? É a natureza, que, procedendo com sabedoria, deu às crianças um certo ar de loucura, pelo qual elas obtêm a redução dos castigos dos seus educadores e se tornam merecedoras do afeto de quem as tem ao seu cuidado. Ama-se a primeira juventude que sucede à infancia, sente-se prazer em ser-lhe util, iniciá-la, socorrê-la. Mas, de quem recebe a mininice os seus atrativos? De quem, se não de mim, que lhe concedo a graça de ser amalucada e, por conseguinte, de gozar e de brincar?

Quero que me chamem de mentirosa, se não for verdade que os jovens mudam inteiramente de caráter logo que principiam a ficar homens e, orientados pelas lições e pela experiência do mundo, entram na infeliz carreira da sabedoria. Vemos, então, desvanecer e ao poucos a sua beleza, diminuir a sua vivacidade, desaparecerem aquela simpicidade e aquela candura tão apreciadas. E acaba por extinguir-se neles o natural vigor.


(Erasmo de Roterdam - Elogio da Loucura)

quarta-feira, 17 de março de 2010

O Matrimônio

"Pois bem, quem desejaria sacrificar-se ao laço matrimonial, se antes, como costumam fazer em geral os filósofos, refletisse bem nos incômodos que acompanham essa condição? Qual é a mulher que se submeteria ao dever conjugal, se todas conhecessem ou tivessem em mente as perigosas dores do parto e as penas da educação? Se, portanto, deveis a vida ao matrimônio e o matrimônio à irreflexão, que é uma das minhas esquazes, avaliai quanto me deveis. Além disso, uma mulher que passou uma vez pelos espinhos do indissolúvel laço, e que anseia por tornar a passar por eles, não o fará, talvez, em virtude da assistência da ninfa Esquecimento, minha cara companheira? (...)

Que seria esta vida, se é que merece o nome de vida, sem os prazeres da volúpia? Oh! Oh! Vós me aplaudis? Já vejo que não há aqui nenhum insensato que não possua esse sentimento. Sois todos muito sábios, uma vez que, a meu ver, loucura é o mesmo que sabedoria!"

(Erasmo de Roterdam em "Elogio da Loucura")

terça-feira, 16 de março de 2010

Os filósofos

"Assim, pois, os filósofos são piores que os fariseus, sobre os quais lemos que impõem pesados fardos, sem eles mesmos erguerem um dedo para levantá-los. Pois isto é o mesmo, pouco importa que não os levantem, desde que possam ser levantados. Mas os filósofos exigem o impossível.

E quando há um jovem que acredita que filosofar não é conversar ou escrever, mas realizar com exatidão o que os filósofos dizem que se deve realizar, estes o fazem desperdiçar vários anos de sua vida, e então se mostra que aquilo era impossível, e então ele se deixou agarrar tão profundamente que talvez sua salvação seja impossível."


(Kierkegaard em "É Preciso Duvidar de Tudo")

segunda-feira, 15 de março de 2010

Escrituras de Luz

Escrituras de luz investem na sombra, mais prodigiosas que meteoros. A alta cidade incognoscível avança sobre o campo. Certo de minha vida e de minha morte, fito os ambiciosos e tento entendê-los.

Seu dia é ávido como o laço no ar. Sua noite é trégua da ira no ferro, prestes a atacar.

Falam de humanidade. Minha humanidade está em sentir que somos vozes de uma mesma penúria. Falam de pátria. Minha pátria é um lamento de guitarra, alguns retratos e uma velha espada, a desvelada prece dos salgueiros nos fins de tarde.

O tempo está vivendo-me. Mais silencioso que minha sombra, cruzo o tropel de sua exaltada cobiça. Eles são imprescindíveis, únicos, merecedores da manhã.

Meu nome é alguém e qualquer um. Passo devagar, como quem vem de tão longe que não espera chegar.


(Jorge Luis Borges)

sábado, 13 de março de 2010

O Eu de Pascal

Um homem se põe a janela para ver os passantes; se eu estiver passando posso dizer que ele está ali para me ver? Não: pois ele não pensa em mim em particular.

Mas aquele que ama uma pessoa por sua beleza a ama? Não: pois a varíola, que matará sua beleza sem matar a pessoa fará com que ele não a ame mais.

E se me amam por meu juízo, por minha memória, amam a mim? Não, pois posso perder essas qualidades sem me perder.

Onde está, pois, esse eu, se não se encontra nem em meu corpo nem em minha alma?

E como amar o corpo ou a alma se não por essas qualidades, que não são absolutamente o que faz o eu, já que elas são perecíveis?

Pois amariam a substancia da alma de uma pessoa abstratamente, e algumas qualidades que nela existissem?

Não é possível e seriam injustos. Portanto nunca se ama a pessoa mas somente as qualidades.

Que não se zombe mais, portanto, daqueles que se fazem homenagear por seus cargos e funções, pois só se ama alguém por suas qualidades de empréstimo.

(Pensamentos – Pascal)

sexta-feira, 12 de março de 2010

O Pensador de Rodin

Apoiando na mão rugosa o queixo fino,
O Pensador reflete que é carne sem defesa:
Carne da cova, nua em face do destino,
Carne que odeia a morte e tremeu de beleza.

E tremeu de amor; toda a primavera ardente,
E hoje, no outono, afoga-se em verdade e tristeza.
O "havemos de morrer" passa-lhe pela mente
Quando no bronze cai a noturna escureza.

E na angústia seus músculos se fendem sofredores.
Sua carne sulcada enche-se de terrores,
Fende-se, como a folha de outono, ao Senhor forte

Que o reclama nos bronzes. Não há árvores torcida
Pelo sol na planície, nem leão de anca ferida,
Crispados como este homem que medita na morte.


(GABRIELA MISTRA)

quarta-feira, 10 de março de 2010

Sorria

Sorri quando a dor te torturar
E a saudade atormentar
Os teus dias tristonhos vazios

Sorri quando tudo terminar
Quando nada mais restar
Do teu sonho encantador

Sorri quando o sol perder a luz
E sentires uma cruz
Nos teus ombros cansados doridos

Sorri vai mentindo a sua dor
E ao notar que tu sorris
Todo mundo irá supor
Que és feliz

(Charlie Chaplin)

sábado, 6 de março de 2010

Sonhar

... de um modo geral, a tendência do indivíduo é naturalmente em direção à luz, em direção à fonte da luz, como fazem os girassóis num campo.

As pessoas se inclinam, sejam em sonhos ou em ações, na direção daquele ponto de onde suspeitam que estejam vindo suas luzes interiores.

Se as chamam de Deus, ou de consciência, ou de leis... os indivíduos se sublimam em direção ao ponto onde arde seu fogo interior; e qualquer um, se receber energia suficiente para os pensamentos e um campo uniforme no qual sonhar, pode deixar sua marca no branco da história.


(Marianne Wiggins - A Invisível Máquina do Mund)
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