"A literatura tem essa magia de nos tornar contemporâneos de quem quisermos." (Inês Pedrosa)

domingo, 29 de agosto de 2010

No tempo dos deuses...





















No tempo dos deuses tudo era simples

como eles

e natureza e humano reinavam no mundo.

Mas veio um deus ususrpador e único

e tornou o mundo incompreensível

porque o seu reino não era deste mundo.

E até hoje ninguém soube

por que então ele expulsou os outros deuses

e ficou reinando sozinho

e fez todos os homens pecarem

- coisa que eles jamais haviam feito antes -

Porque pecar com inocência não é pecar...

E os homens conheceram o terror maravilhoso do pecado

E assim o novo deus lhes trouxe

uma volúpia nova.


(Mário Quintana)

sábado, 28 de agosto de 2010

Condenado a ser livre

"Se, por outro lado, Deus não existe, não encontramos diante de nós valores ou imposições que nos legitimem o comportamento. Assim, não temos nem atrás de nós, nem diante de nós, no domínio luminoso dos valores, justificações ou desculpas. Estamos sós e sem desculpas. É o que traduzirei dizendo que o homem está condenado a ser livre. Condenado porque não se criou a si próprio; e, no entando, livre porque, uma vez lançado ao mundo, é responsável por tudo quanto fizer. O existencialista não crê na força da paixão. Não pensará nunca que uma bela paixão é uma torrente devastadora que conduz fatalmente o homem a certos atos e que, por conseguinte, tal paixão é uma desculpa. Pensa, sim, que o homem é responsável por essa paixão. O existencialista não pensará também que o homem pode encontra auxílio num sinal dado sobre a terra, e que o há de orientar, porque pensa que o homem decifra esse sinal como lhe aprouver. Pensa, portanto, que o homem, sem qualquer apoio e sem qualquer auxílio, está condenado a cada instante a inventar o homem."

(Jean Paul Sartre)

terça-feira, 24 de agosto de 2010

O Poeta é um Fingidor


















O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas da roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração.

(Fernando Pessoa)


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Fernando Pessoa, plural como o universo.  A exposição está em cartaz na sala de exposições temporárias do Museu da Língua Portuguesa   

De 24 de agosto de 2010 até 30 de janeiro de 2011,
De terça a domingo, das 10 às 18 horas.

Nos vemos láh...

domingo, 22 de agosto de 2010

Amor...

(Edvard Munch)
Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no elipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor

(Carlos Drummond de Andrade)

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Cansaço

(Van Gogh)

O que há em mim é sobretudo cansaço -

Não disto nem daquilo,

Nem sequer de tudo ou de nada:

Cansaço assim mesmo, ele mesmo,

Cansaço.

A sutileza das sensações inúteis,



As paixões violentas por coisa nenhuma,

Os amores intensos por o suposto em alguém,

Essas coisas todas -

Essas e o que falta nelas eternamente -;

Tudo isso faz um cansaço,

Este cansaço,

Cansaço.

(...)

(Fernando Pessoa)

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Loucura...

"Ó céus! Acaso há homens mais felizes na terra que os comumente chamados de loucos, insensatos, bobos e imbecis? Em primeiro lugar, eles não temem de modo nenhum a morte, o que, certamente, não é uma pequena vantagem. Não conhecem nem os remorsos devoradores de uma má consciência, nem os vãos terrores que as histórias do inferno inspiram aos outros homens... Jamais o temor dos males que os ameaçam, jamais a esperança dos bens que podem obter seria capaz de perturbar por um só instante a tranquilidade da alma deles.(...) E, se são bastante felizes para chegar muito perto da estupidez dos brutos, têm ainda a vantagem, segundo os teólogos, de ser impecáveis." 

(Erasmo de Roterdam, Elogio da Loucura)

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

O Tempo

" ...o mais infalível veneno é o tempo. Essa taça, que a natureza nos põe nos lábios, possui uma propriedade maravilhosa que supera qualquer outra bebida. Ela abre os sentidos, adiciona poder e povoa-nos de sonhos exaltados, a que chamamos esperança, amor, ambição, ciência. Em particular, ela desperta o desejo por maiores doses de si. Mas aqueles que tomam as maiores doses ficam embriagados, perdem estatura, força, beleza e sentidos, e terminam em fantasia e delírio. Nós adiamos o nosso trabalho literário até que tenhamos maturidade e técnica para escrever, mas um dia descobrimos que o nosso talento literário não passava de uma efervescência juvenil que perdemos."



(Ralph Waldo Emerson)

domingo, 1 de agosto de 2010

O Viajante

"O viajante está feliz.

Nunca na vida teve tão pouca pressa.

Senta-se na beira de um destes túmulos,

afaga com as pontas dos dedos a superfície da água,

tão fria e tão viva, e, por um momento,

acredita que vai decifrar todos os segredos do mundo.

É uma ilusão que o assalta de longe em longe,

não lho levem a mal."

(José Saramago)
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