"A literatura tem essa magia de nos tornar contemporâneos de quem quisermos." (Inês Pedrosa)

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Intersubjetividade

O homem que se atinge diretamente pelo cogito descobre também todos os outros, e descobre-os como a condição da sua existêcncia. Dá-se conta de que não pode ser nada (no sentido em que se diz que é espirituoso, ou que se é perverso, ou ciumento), salvo se os outros o reconhecem como tal. Para obter uma verdade qualquer sobre mim, necessário é que eu passe pelo outro. O outro é indispensável à minha existência, tal como, aliás, ao conhecimento que eu tenho de mim. Nestas condições, a descoberta minha intimidade desocbre-me ao mesmo tempo o outro como uma liberdade posta em face de mim, que nada pensa, e nada quer senão a favor ou contra mim. Assim, descobrimos imediatamente um mundo a que chamaremos a intersubjetividade, e é neste mundo que o homem decide sobre o que ele é e o que são os outros.

(Jean Paul Sartre)

sábado, 26 de junho de 2010

Independência


"Perante nós mesmos devemos prestar contas para demonstrar que nascemos para a independência.

Jamais ficar presos a uma pessoa, ou a uma pátria, a uma ciência.

Não se ficar preso às próprias virtudes e ser vítima por completo de uma das nossas singularidades.

Necessário é saber reservar-se, que é exatamente a prova mais forte de independência."

(Friedrich Nietzsche)



[Imagem: Norman Parker]

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Biblioteca do Universo

"O Universo é uma Biblioteca e o homem, o bibliotecário imperfeito, pode ser a obra do acaso ou de demiurgos malévolos (...) Não me parece inverossímil que em alguma prateleira de Universo haja o livro total; rogo aos deuses ignorados que um homem - um só -, ainda que seja há 1000 anos! - o tenha examinado e lido. Se a honra, a sabedoria e a felicidade não são para mim, que sejam para os outros. Que o céu exista, embora o meu lugar seja o inferno. Que eu seja ultrajado e aniquilado, mas que num instante, num ser, Tua enorme Biblioteca se justifique. (...) Ninguém pode articular uma sílaba que não esteja cheia de ternuras e temores; que não seja em alguma dessas linguagens o nome poderoso de um deus. Falar é incorrer em tautologias. A certeza de que tudo está escrito nos anula ou faz de nós fantasmas."

(Jorge Luís Borges)

domingo, 20 de junho de 2010

A Pefeição, José Saramago


"Há momentos assim na vida: descobre-se inesperadamente que

a perfeição existe, que é também ela uma pequena esfera que

viaja no tempo, vazia, transparente, luminosa, e que

às vezes (raras vezes) vem na nossa direcção, rodeia-nos

por breves instantes e continua para outras paragens e outras gentes."


(José Saramago)  

[Obs. Imagem e citação de Yedra Ardey da comunidade Navegando o Pensamento]


Procurei as mais belas palavras, as mais belas imagens, na tentativa de prestar uma homenagem à aquele que foi, sem dúvida, o maior escritor da língua portuguesa, prêmio nóbel, livre pensador e o mais importante de tudo Humano, este sim foi demasiado humano no melhor estilo, no grande estilo! Homem que podia ver lucidamente enquanto a humanidade ficou cega; homem que lutou pela democracia enquanto toda humanidade se afundava na aristocracia e o homem que aprendeu a morrer dignamente, porque filosofar é aprender a morrer. Queria apenas poder dizer "e naquele dia ninguém morreu", mas de fato não foi isso que aconteceu, certamente recebeu a visita da sua ilustre personagem que lhe presenteou com um envelope cor de violeta assinado por ela, a morte. Pode parecer estranho falar assim de alguém que não conhecemos, mas quando lemos bons livros, lemos também a alma de quem os escreve... e nas minhas caminhadas solitárias ele muitas vezes me fez companhia, se tornou meu amigo... e é assim que lidou com sua morte, como a perda de um grande Amigo!

Alan Silva

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Eterno Retorno

Se, em tudo que você quer fazer, começar perguntado: “Tenho certeza de que desejo fazê-lo infinitas vezes?”, isso se tornará o centro de gravidade mais sólido para você... Eis o ensinamento de minha doutrina: “Viva de forma a ter de desejar reviver – é o dever -, pois, em todo caso, você reviverá! Aquele para quem o esforço é a alegria suprema, que se esforce! Aquele que ama antes de tudo o repouso, que repouse! Aquele que ama antes de tudo se submeter, obedecer e seguir, que obedeça! Mas que saiba para o que dirige sua preferência, e não recue diante de nenhum meio! É a eternidade que está em jogo!” Essa doutrina é suave para aqueles que nela não têm fé. Ela não tem nem inferno nem ameaças. Aquele que não tem fé não sentirá em si senão uma vida fugidia.

(Friedrich Nietzsche, A Vontade de Poder) 

(Imagem: Norman Parker)

domingo, 13 de junho de 2010

A Morte em Vida

A morte começa quando não levamos em conta que a morte existe. Quando nem sequer nos indignamos ao ver os mortos - mortos, não porque a morte existe, mas porque não lutamos pela vida. A criança miserável que morreu de fome, o operarário que perdeu as mãos, a prostituta que perdeu o amor, o ser humano que perdeu a humanidade e também o seu ser. O suicida que não sabe que já morreu antes de matar-se, porque não suportou a vida, a morte em vida; muitas vezes porque não pode tolerar a morte do outro, e vai em busca dele, num mundo imaginário, que delírio, engana como se fosse vida.


(Roosevel Cassorl) 

[Imagem: Atkinson Grimshaw]

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Passividade
















"... Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor de nosso jardim.
E não dizemos nada.


Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores, matam nosso cão,
e não dizemos nada.


Até que um dia, o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz e, conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada." 

(Eduardo Alvez da Costa)


[Imagem: Willian Ferreira]

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Um esboço...

Não existe meio de verificar qual a boa decisão, pois não existe termo de comparação. Como se um ator entrasse em cena sem nunca ter ensaiado. Mas o que pode valer a vida, se o primeiro ensaio da vida já é a própria vida? É isso que faz com que a vida sempre pareça um esboço. No entanto, mesmo "esboço" não é uma palavra certa porque um esboço é sempre o projeto de alguma coisa, a preparação de um quadro, ao passo que o esboço que é nossa vida não é o esboço de nada, é um esboço sem quadro.

Tomás repete para si mesmo o provérbio alemão: einamal ist keinmal, uma vez não conta, uma vez é nunca. Não poder viver senão uma vida é como não viver nunca.

(Milan Kundera - A insustentável leveza do ser)

[Imagem: Ben Goossens]

sábado, 5 de junho de 2010

Loucura

Nós não podemos falar nada sobre nós e a nossa época, sem começarmos por definir a loucura. Como é que se explica que nós sejamos seres dotados de razão, enquanto a nossa sociedade é tão ligada à loucura? Como as pessoas que tem toda a sua razão podem agir como se estivessem loucas e acreditar nas idéias loucas que a sociedade lhe impõe?

Nós podemos encontrar uma resposta com aqueles que perderam a razão.O que é que os deixou loucos? As pessoas ficam assim quando não chegam a criar uma relação funcional e prática com a sociedade e com a realidade. O que eles fazem? Eles criam uma sociedade que é uma realidade para eles. Eles ficam loucos para não perder a sua razão. A sua loucura é a explicação que eles dão para a loucura que eles encontram no mundo.

(Edward Bond) 

[Imagem: William A. R. Ferreira >> 

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Eros e a Morte

Era uma tarde quente e abafada, e Eros, cansado de brincar e derrubado pelo calor, abrigou-se numa caverna fresca e escura. Era a caverna da própria Morte. Eros, querendo apenas descansar, jogou-se displicentemente ao chão, tão descuidadamente que todas as suas flechas caíram. Quando ele acordou percebeu que elas tinham se misturado com as flechas da Morte, que estavam espalhadas no solo da caverna. Eram tão parecidas que Eros não conseguia distingui-las. No entando, ele sabia quantas flechas tinha consigo e ajuntou a quantia certa. Naturalmente, Eros levou algumas flechas que pertenciam à Morte e deixou algumas das suas. E é assim que vemos, frequêntemente, os corações dos velhos e moribundos, atingidos pelas flechas do Amor, e às vezes, vemos os corações dos jovens capturados pela Morte.

(Esopo, Grécia Antiga, in Meltzer.) 
 
[Imagem: Ben Goossens
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