"A literatura tem essa magia de nos tornar contemporâneos de quem quisermos." (Inês Pedrosa)

domingo, 31 de outubro de 2010

A compreensão humana

A compreensão humana não é um exame desinteressado, mas recebe infusões da vontade e dos afetos; disso se originam ciências que podem ser chamadas ciências conforme a nossa vontade. Pois um homem acredita mais facilmente no que gostaria que fosse verdade. Assim, ele rejeita coisas difíceis pela impaciência de pesquisar; coisas sensatas, porque diminuem a esperança; as coisas mais profundas da natureza, por superstição; a luz da experiência, por arrogância e orgulho; coisas que não são comumente aceitas, por deferência à opinião do vulgo. Em suma, inúmeras são as maneiras, e às vezes imperceptíveis, pelas quais os afetos colorem e contaminam o entendimento.


(Francis Bacon)

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Morte

Habitua-te a pensar que a morte não é nada para nós, pois que o bem e o mal só existem na sensação. Donde se segue que um conhecimento exacto do facto de a morte não ser nada para nós permite-nos usufruir esta vida mortal, evitando que lhe atribuamos uma idéia de duração eterna e poupando-nos o pesar da imortalidade. Pois nada há de temível na vida para quem compreendeu nada haver de temível no facto de não viver. É pois, tolo quem afirma temer a morte, não porque sua vinda seja temível, mas porque é temível esperá-la. Tolice afligir-se com a espera da morte, pois trata-se de algo que, uma vez vindo, não causa mal. Assim, o mais espantoso de todos os males, a morte, não é nada para nós, pois enquanto vivemos, ela não existe, e quando chega, não existimos mais. Não há morte, então, nem para os vivos nem para os mortos, porquanto para uns não existe, e os outros não existem mais (...)

(Epicuro, in "A Conduta na Vida")

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Espírito do Capitalismo

“(...) ganhar dinheiro e sempre mais dinheiro, no mais rigoroso resguardo de todo o gozo imediato do dinheiro ganho, algo tão completamente despido de todos os pontos de vista eudemonistas ou mesmo hedonistas  e pensado tão exclusivamente como um fim em si mesmo, que, em comparação com a ‘felicidade’ do indivíduo ou sua ‘utilidade’, aparece em todo caso como inteiramente transcendente e  simplesmente irracional. O ser humano em função do ganho como finalidade da vida, não mais o ganho em função do ser humano como meio destinado a satisfazer suas necessidades materiais. Essa inversão da ordem  por assim dizer, ‘natural’ das coisas, totalmente sem sentido para a sensibilidade ingênua, é tão manifestamente e sem reservas o espírito do capitalismo.”    

(Max Weber)

sábado, 23 de outubro de 2010

O que sabemos de nós próprios...

O que sabemos de nós próprios, é o que a nossa memória reteve, é menos decisivo do que se pensa para a felicidade da nossa vida. Chega um dia em que surge nela aquilo que, sabem os outros (ou julgam saber), de nós: damo-nos conta de que a sua opinião é mais poderosa. Arranjamo-nos melhor com a má consciência do que com a má reputação.

(Friedrich Nietzsche)

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Não há critérios senão imanentes...

Van Gogh


“... não há critérios senão imanentes, e uma possibilidade de vida se avalia nela mesma, pelos movimentos que ela traça e pelas intensidades que ela cria, sobre um plano de imanência; é rejeitado o que não traça nem cria. Um modo de existência é bom ou mau, nobre ou vulgar, cheio ou vazio, independente do Bem e do Mal, e de todo valor transcendente: não há nunca outro critério senão o teor da existência, a intensificação da vida.”

- Gilles Deleuze,
O que é a filosofia?

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Embriaguez


"É preciso estar sempre embriagado. Eis aí tudo: é a única questão. Para não sentirdes o horrível fardo do tempo que rompe os vossos ombros e vos inclina para o chão, é preciso embriagar-vos sem trégua. Mas de quê? De vinho, de poesia ou de virtude, à vossa maneira. Mas embriagai-vos. E se, alguma vez, nos degraus de um palácio, sobre a grama verde de um precipício, na solidão morna do vosso quarto, vós acordardes, a embriaguez já diminuída ou desaparecida, perguntai ao vento, à onda, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo que foge, a tudo que geme, a tudo que anda, a tudo que canta, a tudo que fala, perguntai que horas são; e o vento, a onda, a estrela, o pássaro, o relógio, responder-vos-ão: 'É hora de embriagar-vos! Para não serdes os escravos martirizados do tempo, embriagai-vos: embriagai-vos sem cessar! De vinho, de poesia ou de virtude, à vossa maneira'."

(Charles Baudelaire)

domingo, 17 de outubro de 2010

Sabedoria...

O que é a sabedoria? É a felicidade na verdade, ou «a alegria que nasce da verdade». Esta é a expressão que Santo Agostinho utiliza para definir a beatitude, a vida verdadeiramente feliz, em oposição ás nossas pequenas felicidades, sempre mais ou menos factícias ou ilusórias. Sou sensível ao facto de que é a mesma palavrabeatitude que Espinoza retomará, bem mais tarde, para designar a felicidade do sábio, a felicidade que não é a recompensa da virtude mas a própria virtude... a beatitude é a felicidade do sábio, em oposição às felicidades que nós, que não somos sábios, conhecemos comumente, ou, digamos, às nossas aparências de felicidade, que às vezes são alimentadas por drogas ou álcoois, muitas vezes por ilusões, diversão ou má-fé. Pequenas mentiras, pequenos derivativos, remedinhos, estimulantezinhos... não sejamos severos demais. Nem sempre podemos dispensá-los. Mas a sabedoria é outra coisa. A sabedoria seria a felicidade na verdade. 
A sabedoria? É uma felicidade verdadeira ou uma verdade feliz. Não façamos disso um absoluto, porém. Podemos ser mais ou menos sábios, do mesmo modo que podemos ser mais ou menos loucos. Digamos que a sabedoria aponta para uma direcção: a do máximo de felicidade no máximo de lucidez. 

(André Compte-Sponville, in 'A Felicidade, Desesperadamente')

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Conhece-te a ti mesmo!


Salvador Dalí
Conhece-te a ti mesmo! — De que me há de servir? Se a mim me conhecesse, desatava a fugir. [...] Com isto confesso que a grande tarefa — Conhece-te a ti mesmo! —, que soa tão importante, sempre me pareceu suspeita, como um ardil de padres secretamente coligados que quisessem perturbar o homem por meio de exigências inatingíveis e desviá-lo da actividade no mundo externo para uma falsa contemplação interior. [... ] Cada novo objecto, bem observado, abre em nós um novo órgão. Do máximo proveito nesse sentido são, porém, os nossos semelhantes, que têm a vantagem de nos compararem com o mundo a partir de seu próprio ponto de vista, e por isso atingem um melhor conhecimento de nós que nós mesmos podemos alcançar. 

(Johann W. Goethe)

domingo, 10 de outubro de 2010

Pensamentos Intraduzíveis

É sabido que comboios completos de pensamento atravessam instantaneamente as nossas cabeças, na forma de certos sentimentos, sem tradução para a linguagem humana, menos ainda para uma linguagem literária... porque muitos dos nossos sentimentos, quando traduzidos numa linguagem simples, parecem completamente sem sentido. Essa é a razão pela qual eles nunca chegam a entrar no mundo, no entanto toda a gente os tem. 


(Fiodor Dostoievski)

sábado, 9 de outubro de 2010

Avante cavaleiro andante...

Concluídos, pois todos estes arranjos, não quis retardar mais o pôr em efeito o seu pensamento, estimulando-o a lembrança da falta que estava fazendo ao mundo a sua tardança, segundo eram os agravos que pensava desfazer, sem-razões que endireitar, injustiças que reprimir, abusos que melhorar, e dívidas que satisfazer. E assim, sem a ninguém dar parte de sua intenção, e sem que ninguém o visse, uma manhã antes do dia, que era um dos encalmados de julho, apercebeu-se de todas as suas armas, montou-se no Rocinante, posta a sua celada feita à pressa, embraçou sua adaga, empunhou a lança, e pela porta furtada de um pátio se lançou ao campo, com grandíssimo contentamento e alvoroço, de ver com que felicidade dava principio ao seu bom desejo.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Originalidade

Para as nossas acções e omissões, não é preciso tomar ninguém como modelo, visto que as situações, as circunstâncias e as relações nunca são as mesmas e porque a diversidade dos carácteres também confere um colorido diverso a cada acção. Desse modo, duo cum faciunt idem, non est idem (quando duas pessoas fazem o mesmo, não é o mesmo). Após ponderação madura e raciocínio sério, temos de agir segundo o nosso carácter. Portanto, também em termos práticos, a originalidade é indispensável; caso contrário, o que se faz não combina com o que se é. 

(Arthur Schopenhauer)

terça-feira, 5 de outubro de 2010

A vida criadora!

Norman Parker
"A vida criadora! Ascensão. A superação do EGO. Subir ao azul como um foguete, agarrando-se a escadas voadoras, elevando-se, alçando-se, erguendo o mundo pelo escalpo, despertando os anjos em suas tocas etéreas, mergulhando em profundezas estelares, cavalgado as caudas dos cometas. Nietzsche escreveu em êxtase sobre as coisas; em seguida desmaiou para dentro do espelho e morreu em raiz e flor. " Escadas e contraditórias escadas", escreveu ele, e subitamente não havia mais chão; a mente, como um diamante fragmentado, era pulverizada pelas marteladas da verdade."



(Henry Miller)

sábado, 2 de outubro de 2010

O desabar de tudo

Retrato do desmoronar completo da sociedade causado pela cegueira que aos poucos assola o mundo, reduzindo-o ao obscurantismo de meros seres extasiados na busca incessante pelo poder. Crítica pura às facetas básicas da natureza humana encarada como uma crise epidémica. Mais do que olhar, importa reparar no outro. Só dessa forma o homem se humaniza novamente. Caso contrário, continuará uma máquina insensível que observa passivamente o desabar de tudo à sua volta. 

(José Saramago)

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Gelo e Altas Montanhas


Quem sabe respirar o ar forte de meus escritos sabe que é um ar da altitude, um ar forte. É preciso ser feito para ele, senão o perigo de se resfriar não é pequeno. O gelo está perto, a solidão é descomunal — mas com que tranqüilidade estão todas as coisas à luz! Com que liberdade se respira! Quanto se sente abaixo de si! — filosofia, tal como até agora entendi e vivi, é a vida voluntária em gelo e altas montanhas — a procura por tudo o que é estrangeiro e problemático na
existência, por tudo aquilo que até agora foi exilado pela moral. De uma longa experiência que me foi dada por andanças pelo proibido, aprendi a considerar as causas pelas quais até agora se moralizou e idealizou, de modo muito diferente do que seria desejável: a história escondida dos filósofos, a psicologia de seus grandes nomes, veio à luz para mim. 

(Friedrich Nietzsche)
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