"A literatura tem essa magia de nos tornar contemporâneos de quem quisermos." (Inês Pedrosa)

sábado, 29 de janeiro de 2011

Tributo à Fernando Pessoa

Foi num sonho que vi a  mais bela paisagem, que senti a brisa mais suave e a música mais linda que nunca compus... foi em sonhos também que possuí a mais bela mulher, com o mais suave perfume e o mais sublime sorriso. Desperto só vi paisagens e músicas medíocres, e a brisa apenas um vento quente e seco.  Mulheres, não há nenhuma que se compare nem em beleza nem em virtude a doce Helena do meu sonho. Da vida nada fiz senão sonhar. E após o climax de cada sonho, a desolação do acordar em mundo de sonhos irreais. Há ainda os sonhos lúcidos, saber que se está a sonhar é destruir com marteladas da lucidez qualquer sonho - um suicídio onírico. E agora desperto e lúcido, consciente de como existo, percebo que os meus sonhos são um refúgio estúpido, como um guarda chuva contra um raio! E não há saudade mais dolorosa do que as coisas que nunca foram! Aquelas paisagens que não sei onde encontrar e a mais bela mulher que jamais verei... Sonhar é estar num lugar qualquer, sem saber como chegou ali, mas sem com isso se importar, onde o tempo não existe e o objetivo é claro... o sentido é apenas sonhar sem saber que se está a sonhar.

- Alan Teixeira

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

É no isolamento...

Ben Gossens

Efetivamente não somos e não pretendemos ser sociedades de insetos, sociedades do alarido, da agitação frenética, do barulho caótico das gentes, onde, o eu morre de nós. Não, é preciso a oportuna desconexão; o futuro pertence às ordens contemplativas. E o que nos salvará serão as novas formas de recolhimento que associem solitários e solidários. É no isolamento, no silêncio, que o homem pode encontrar a "verdade", ou o insight fértil: saído como um desvio da regularidade.

(Michel Serres)

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Diversidade Condicionada

Se, como escrevi em 'Raça e História', existe entre as sociedades humanas um certo óptimo de diversidade além do qual elas não conseguiram prosseguir, mas abaixo do qual tampouco podem descer sem perigo, deve-se reconhecer que essa diversidade resulta em grande parte do desejo de cada cultura de se opor às que a cercam, de distinguir-se delas, em suma, de serem elas mesmas; não se ignoram, imitam-se ocasionalmente, mas, para não perecerem, é necessário que, sob outros aspectos, persista entre elas uma certa impermeabilidade. 


(Claude Lévi-Strauss, in 'O Olhar Distante')

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

O Verbo Amar

Leonid Afremov
Além da Terra, além do Céu,
no trampolim do sem-fim das estrelas,
no rastro dos astros,
na magnólia das nebulosas.
Além, muito além do sistema solar,
até onde alcançam o pensamento e o coração,
vamos!
Vamos conjugar
o verbo fundamental essencial,
o verbo transcendente, acima das gramáticas
e do medo e da moeda e da política,
o verbo sempreamar,
o verbo pluriamar,
razão de ser e de viver.


(Carlos Drummond de Andrade)

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Repousa em mim o vir a ser...

Leonid Afremov

Repousa em mim o vir a ser, essa mágica contida que se insinua sob a pele, por trás dos olhos, na umidade das mãos. Anda em mim um deambular de ventos e esvoaçares, um balbuciar de verso, uma esperança sobrevivente salva por milagre. Habita em mim uma prenhez de sentido que me veio povoar os poros, pôr errância no olhar e tatuar o corpo com signos de sonhos e agora eu quase sei. Veio ter comigo a inquietude das vésperas. Quando meu coração cria asas e ganha os céus onde o infinito é bordado de azul, minha alma é toda de sonhos e meus pés nem ousam tocar o chão. A distância que separa meus pensamentos da poesia tem a duração do bater das asas de um beija-flor. E então fica o peito a retumbar. E então a gente se permite espiar pela fresta, olhar de relance, pelo buraco da fechadura e revê um tanto e lembra de tudo, e sorri, e meio que volta, e é como se não tivesse deixado de ser, é como se houvesse um agora que fosse sempre, que não virasse ontem, que não se cobrisse de passado, e a gente refloresce, a gente chove, a gente mergulha, a gente quase volta a saciar a sede, quase sente na pele, quase dança, quase sonha, quase delinquesce, quase enlouquece, quase goza, quase fica feliz de novo. Mas aí lembra que... E tem que deslembrar. Agora.

(Manoel de Barros)

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Saudade do que nunca existiu...

(...) Ah, não há saudades mais dolorosas do que as das coisas que nunca foram! O que eu sinto quando penso no passado, que tive no tempo real, quando choro sobre o cadáver da vida da minha infância ida..., isso mesmo não atinge o fervor doloroso e trémulo com que choro sobre não serem reais as figuras humildes dos meus sonhos, as próprias figuras secundárias que me recordo de ter visto uma só vez, por acaso, na minha pseudovida, ao virar uma esquina da minha visionação, ao passar por um portão numa rua que subi e percorri por esse sonho fora.

... quando medito que os meus amigos de sonho, com quem passei tantos detalhes de uma vida suposta, com quem tantas conversas iluminadas, em cafés imaginários, tenho tido, não pertenceram, afinal, a nenhum espaço onde pudessem ser, realmente, independente da minha consciência deles!

As flores do jardim da pequena casa de campo e que nunca existiu senão em mim. As hortas, os pomares, o pinhal da quinta que foi só um meu sonho! As minhas vilegiaturas supostas, os meus passeios por um campo que nunca existiu! As árvores de à beira da estrada, os atalhos, as pedras, os camponeses que passam... tudo isto, que nunca passou de um sonho (...) uma vida real morta que fito, solene, no seu caixão.

(...) Certos quadros sem subido relevo artístico, certas oleogravuras que havia em paredes com que convivi muitas horas — passam a realidade dentro de mim. Aqui a sensação era outra, mais pungente e triste. Ardia-me não poder estar ali, quer eles fossem reais ou não. Não ser eu, ao menos, uma figura a mais, desenhada ao pé daquele bosque ao luar que havia numa pequena gravura dum quarto onde dormi já não em pequeno!

 (...) As feições da minha saudade eram outras. Os gestos do meu desespero eram diferentes. A impossibilidade que me torturava era de outra ordem de angústia. (...) Não haver, pelo menos só para mim, um paraíso feito disto! Não poder eu encontrar os amigos que sonhei, passear pelas ruas que criei, acordar, entre o ruído dos galos e das galinhas e o rumorejar matutino da casa, na casa de campo em que eu me supus...


O mal da vida, a doença de ser consciente, entra com o meu próprio corpo e perturba-me. Não haver ilhas para os inconfortáveis, alamedas vetustas, inencontráveis de outros para os isolados no sonhar! Ter de viver e, por pouco que seja, de agir; ter de roçar pelo fato de haver outra gente, real também, na vida! Ter de estar aqui escrevendo isto, por me ser preciso à alma fazê-lo, e, mesmo isto, não poder sonhá-lo apenas, exprimi-lo sem palavras, sem consciência mesmo, por uma construção de mim-próprio em música e esbatimento, de modo que me subissem as lágrimas aos olhos só de me sentir expressar-me, e eu florisse, como um rio encantado, por lentos declives de mim próprio, cada vez mais para o incoinconsciente e o Distante, sem sentido nenhum exceto Deus.

(Fernando Pessoa, in Livro do Desassossego)

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Pesa dentro de mim...

















Pesa dentro de mim
o idioma que não fiz,
aquela língua sem fim
feita de ais e de aquis.
Era uma língua bonita,
música, mais que palavra,
alguma coisa de hitita,
praia do mar de Java.
Um idioma perfeito,
quase não tinha objeto.
Pronomes do caso reto,
nunca acabavam sujeitos.
Tudo era seu múltiplo,
verbo, triplo, prolixo.
Gritos eram os únicos.
O resto, ia pro lixo.
Dois leões em cada pardo,
dois saltos em cada pulo,
eu que só via a metade,
silêncio, está tudo duplo.


(Paulo Leminski)

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Sentimento e Pensamento

Um sentimento é profundo porque consideramos profundo o pensamento que o acompanha. Mas o pensamento profundo pode estar muito longe da verdade. Se retirarmos do sentimento profundo os elementos intelectuais a ele misturados, resta o sentimento forte, e este não é capaz de garantir, para o conhecimento, nada além de si mesmo, tal como a crença forte prova apenas a sua força, não a verdade daquilo em que se crê.


(Friedrich Nietzsche)

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Para compreender, destruí-me.

Ben Gossens
Para compreender, destruí-me. Compreender é esquecer de amar. Nada conheço mais ao mesmo tempo falso e significativo que aquele dito de Leonardo da Vinci, de que se não pode amar ou odiar uma coisa senão depois de compreendê-la. A solidão desola-me; a companhia oprime-me. A presença de outra pessoa descaminha-me os pensamentos; sonho a sua presença com uma distração especial, que toda a minha atenção analítica não consegue definir.

(Fernando Pessoa, in Livro do Desassossego)

sábado, 1 de janeiro de 2011

Seiscentos e sessenta e seis

Salvador Dalí

















A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo...
Quando se vê, já é 6ªfeira...
Quando se vê, passaram 60 anos...
Agora, é tarde demais para ser reprovado...
E se me dessem - um dia - uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio.
seguia sempre, sempre em frente ...

E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.

(Mário Quintana)
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