"A literatura tem essa magia de nos tornar contemporâneos de quem quisermos." (Inês Pedrosa)

sábado, 30 de abril de 2011

Nunca amamos alguém

Edvard Munch
Nunca amamos alguém. Amamos, tão-somente, a ideia que fazemos de alguém. É a um conceito nosso - em suma, é a nós mesmos - que amamos. 
Isto é verdade em toda a escala do amor. No amor sexual buscamos um prazer nosso dado por intermédio de um corpo estranho. No amor diferente do sexual, buscamos um prazer nosso dado por intermédio de uma ideia nossa.

(Fernando Pessoa)


quinta-feira, 28 de abril de 2011

Destino indefinido

Paul Cezanne


















Só chega ao fim aquilo que tem destino certo, já que uma vez

chegando-se a ele resta apenas desaparecer. A espécie

humana só sobreviveu porque não tinha destino final.

Aqueles que quiseram lhe dar um destino geralmente

precipitaram-se para a destruição. E talvez seja por reflexo

de sobrevivência que grupos e indivíduos abandonam

pouco a pouco todo destino preciso, abandonam o sentido,

a razão e as Luzes a fim de conservar apenas a intuição

selvagem de uma situação imprecisa.



(Jean Baudrillard)



terça-feira, 26 de abril de 2011

Inventar o amor?

"Noite Estrelada" Van Gogh


















Quem ama inventa as coisas a que ama…
Talvez chegaste quando eu te sonhava.
Então de súbito acendeu-se a chama!
Era a brasa dormida que acordava…

E era um revôo sobre a ruinaria,
No ar atônito bimbalhavam sinos,
Tangidos por uns anjos peregrinos
Cujo dom é fazer ressurreições…

Um ritmo divino? Oh! Simplesmente
O palpitar de nossos corações
Batendo juntos e festivamente,
Ou sozinhos, num ritmo tristonho…

Ó! meu pobre, meu grande amor distante,
Nem sabes tu o bem que faz à gente
Haver sonhado… e ter vivido o sonho!



(Mario Quintana)

domingo, 24 de abril de 2011

E tropeçou...

















E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E Flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego.


(Chico Buarque)


sexta-feira, 22 de abril de 2011

Os verdadeiros sábios

“Aconteceu aos verdadeiros sábios o que se verifica com as espigas de trigo, que se erguem orgulhosamente enquanto vazias e, quando se enchem e amadurece o grão, se inclinam e dobram humildemente. Assim esses homens, depois de tudo terem experimentado, sondado e nada haverem encontrado nesse amontoado considerável de coisas tão diversas, renunciaram à sua presunção e reconheceram a sua insignificância. (…) Quando perguntaram ao homem mais sábio que já existiu o que ele sabia, ele respondeu que a única coisa que sabia era que nada sabia. A sua resposta confirma o que se diz, ou seja, que a mais vasta parcela do que sabemos é menor que a mais diminuta parcela do que ignoramos. Em outras palavras, aquilo que pensamos saber é parte — e parte ínfima — da nossa ignorância.”

(Michel de Montaigne - ‘Ensaios’)

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Fazer Ciência hoje é errar amanhã

Norman Parker
Tanto a História como meus conhecimentos fizeram-me duvidar de que os praticantes das ciências naturais possuam respostas mais firmes ou mais permanentes para tais questões do que seus colegas das ciências sociais. E contudo, de algum modo, a prática da Astronomia, da Física, da Química ou da Biologia normalmente não evocam as controvérsias sobre fundamentos que atualmente parecem endêmicas entre, por exemplo, psicólogos ou sociológos. A tentativa de descobrir a fonte dessa diferença levou-me ao reconhecimento do papel desempenhado na pesquisa científica por aquilo que, desde então, chamo de "paradigmas". Considero "paradigmas" as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência. 

(...) Talvez a ciência não se desenvolva pela acumulação de descobertas e invenções individuais. Simultaneamente, esses mesmos historiadores confrontam-se com dificuldades crescentes para distinguir o componente "científico" das observações e crenças passadas daquilo que seus predecessores rotularam prontamente de "erro" e "superstição". Quanto mais cuidadosamente estudam, digamos, a dinâmica aristotélica, a química flogística ou a termodinâmica  calórica, tanto mais certos tornam-se de que, como um todo, as concepções de natureza outrora correntes não eram nem menos científicas, nem menos o produto da idiossincrasia do que as atualmente em voga. Se essas crenças obsoletas devem ser chamadas de mitos, então os mitos podem ser produzidos pelos mesmos tipos de métodos e mantidos pelas mesmas razões que hoje conduzem ao conhecimento científico. Se, por outro lado, elas devem ser chamadas de ciências, então a ciência inclui  conjuntos de crenças totalmente incompatíveis com as que hoje mantemos. 

(Thomas Kuhn, in A Estrutura das Revoluções Científicas)

sábado, 16 de abril de 2011

Tédio

Edvard Munch
Há uma ou duas décadas, o vazio que a classe a média principiava a sentir em ampla escala podia ainda ser considerado como "doença dos subúrbios". O quadro mais nítido de uma vida vazia é o do homem suburbano, que se levanta à mesma hora todos os dias, toma o mesmo trem para trabalhar na cidade, executa as mesmas tarefas no escritório, almoça no mesmo restaurante, deixa diariamente a mesma gorjeta para o garçom, volta para no mesmo trem, tem dois-três filhos, cuida de um pequeno jardim, passa duas semanas de férias na praia todo verão, férias que ele não aprecia, vai à igreja no natal e na páscoa, levando assim uma existência rotineira, mecânica, ano após ano, até finalmente aposentar-se aos sessenta e cinco e morrer, pouco depois, do coração, num colapso causado talvez por hostilidade recalcada. Sempre suspeitei porém, que morre mesmo de tédio.

(Rollo May, in "O homem à procura de si mesmo")

domingo, 10 de abril de 2011

Apressa-te, amor, que amanhã eu morro...

Edvard Munch
Não te fies do tempo
nem da eternidade,
que as nuvens
me puxam pelos vestidos,
que os ventos me arrastam
contra o meu desejo!
Apressa-te, amor,
que amanhã eu morro,
que amanhã morro e não te vejo!
Não demores tão longe,
em lugar tão secreto,
nácar de silêncio que o mar comprime,
ó lábio, limite do instante absoluto!
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã morro e não te escuto!
Aparece-me agora, que ainda reconheço
a anêmona aberta na tua face
e em redor dos muros o vento inimigo...
apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã morro e não te digo...

(Cecília Meireles)

sábado, 9 de abril de 2011

Não, a vida não me desapontou!


Não, a vida não me desapontou! Pelo contrário, todos os anos a acho melhor, mais desejável, mais misteriosa... desde o dia em que vejo a mim a grande libertadora, a ideia de que a vida podia ser experiência para aqueles que procuram saber, e não dever, fatalidade, duplicidade!... Quanto ao próprio conhecimento, seja ele para outros aquilo que quiser, um leito de repouso, ou o caminho para um leito de repouso, ou distracção ou vagabundagem, para mim é um mundo de perigos, é um universo de vitórias onde os sentimentos heróicos têm a sua sala de baile. «A vida é um meio de conhecimento»; quando se tem este princípio no coração, pode viver-se não somente corajoso mas feliz, pode-se rir alegremente! E quem, de resto, se ouvirá, portanto, a bem rir e a bem viver se não for primeiramente capaz de vencer e de guerrear?

(Friedrich Nietzsche, in "A Gaia Ciência")

domingo, 3 de abril de 2011

Deixo o nada a ninguém!





















Não restará na noite uma estrela.

Não restará a noite.

Morrerei, e comigo a soma

do intolerável universo.

Apagarei as pirâmides, as medalhas,

os continentes e os rostos.

Apagarei a acumulação do passado.

Transformarei em pó a história, em pó o pó.

Estou mirando o último poente.

Ouço o último pássaro.

Deixo o nada a ninguém.




(Jorge Luís Borges)
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