"A literatura tem essa magia de nos tornar contemporâneos de quem quisermos." (Inês Pedrosa)

domingo, 27 de fevereiro de 2011

O homem à procura de si mesmo

Edvard Munch 
Uma das poucas alegrias da vida numa época de ansiedade é o fato de sermos forçados a tomar consciência de nós mesmos. Quando a sociedade contemporânea, nesta fase de reversão de padrões e valores, não consegue dar-nos uma nitida visão "do que somos e do que devemos ser", nas palavras de Matthew Arnold, vemo-nos lançados à busca de nós mesmos. A dolorosa insegurança que nos rodeia torna-se um incentivo a indagar:  será que nos passou despercebido algum importante manancial de força e orientação?

Constato que, de modo geral, este incentivo não é considerado uma benção. Prefere-se indagar: como é possível alcançar a integração interior numa sociedade tão desintegrada? Ou então: como empreender a longa evolução para a auto-realização numa época em que quase nada é certo, nem no presente, nem no futuro?

(Rollo May, in O homem à procura de si mesmo)

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Nossa ignorância comum


Quanto mais aprendemos sobre o mundo, quanto mais profundo o nosso conhecimento, mais específico, consistente e articulado será o nosso conhecimento do que ignoramos - o conhecimento da nossa ignorância. Essa, com efeito, é a principal fonte da nossa ignorância: o facto de que o nosso conhecimento só pode ser finito, mas a nossa ignorância deve necessariamente ser infinita. (...) Vale a pena lembrar que, embora haja uma vasta diferença entre nós no que diz respeito aos fragmentos que conhecemos, somos todos iguais no infinito da nossa ignorância. 

(Karl Popper, in 'As Origens do Conhecimento e da Ignorância')


sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Os homens podem ser racionais?

Salvador Dalí

O homem é racional na proporção em que a sua inteligência orienta e controla os seus desejos.
Acredito que o controle dos nossos actos pela inteligência é, afinal, o que mais importa e a única coisa capaz de preservar a possibilidade de vida social, enquanto a ciência expande os meios de que dispomos para nos ferir e destruir. O ensino, a imprensa, a política, a religião - numa palavra, todas as grandes forças do mundo - estão actualmente do lado da irracionalidade; estão nas mãos dos homens que lisonjeiam Populus Rex com o fito de desencaminhá-lo. O remédio não está em nada heróico nem cataclísmico, mas nos esforços dos indivíduos no sentido de uma opinião mais sadia e equilibrada das nossas relações com o próximo e a sociedade. É à inteligência, cada vez mais divulgada, que devemos recorrer para a solução dos males de que sofre o nosso mundo. 


(Bertrand Russell, in 'Ensaios Cépticos: Os Homens Podem Ser Racionais?')

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Da árvore da Montanha

Zaratustra agarrou a árvore que o mancebo se encontrava e disse:

"Se eu quisesse sacudir esta árvore com as minhas mãos não poderia; mas o vento que não vemos açoita-a e dobra-a como lhe apraz. Também a nós mãos invisíveis nos açoitam e dobram rudemente".

"Por que te assustas? O que sucede a árvore também sucede ao homem. Quanto mais se quer erguer para o alto e para a luz, mais vigorosamente enterra as suas raízes para baixo, para o tenebroso e profundo: para o mal."

"Dizias a verdade, Zaratustra - disse o mancebo. Já não tenho confiança em mim desde que quero subir às alturas, e já nada tem confiança em mim. A que se deve isso? Eu me transformo muito depressa: o meu hoje contradiz o meu ontem. Com freqüência salto degraus quando subo, coisa que os degraus não me perdoam. Quando chego em cima sempre me encontro só. Ninguém me fala; o frio da solidão me faz tiritar. Que é que quero, então, nas alturas?"

Zaratustra olhou atentamente para a árvore a cujo pé se encontrava e falou assim:

"Esta árvora está solitária na montanha. Cresce muito sobranceira aos homens e aos animais. E se quisesse falar ninguém haveria que a pudesse compreender, de tanto que cresceu. Agora espera, e continua esperando. Que esperará então? Habita perto demais das montanhas: acaso esperarás um raio?" ...

"Ah, eu conheci nobres que perderam a sua mais elvada esperança. E depois, caluniaram todas as elevadas esperanças. Desde então tem vivido abertamente com minguadas aspirações, e dificilmente traçam metas para mais de um dia.

'O espírito é também voluptouosidade' - diziam. E então se quebraram as asas do seu espírito; arrasta-se agora de um lado para o outro, maculando tudo quanto consome.

Noutro tempo pensavam fazer-se heróis; agora são folgazões. O herói é para eles aflição e espanto.

Mas por meu amor e minha esperança te aconselho: não expulses para longe de ti o herói que há na tua alma! Santifica a tua mais elevada esperança!"

Assim Falou Zaratustra


(Friedrich Nietzsche, in Assim Falou Zaratustra)


E dentre nós, quais são árvores da montanha e quais são plantas rasteiras e ervas daninhas? 

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Literatura Libertadora


A literatura é um processo de libertação e, por conseguinte, aspira à liberdade. Quer dizer que o seu ponto de partida é uma recusa aos constrangimentos. Quer dizer, ainda, que os constrangimentos estão na sua génese ou no desencadear da sua explosão, como tem sido proclamado por tantos criadores. 
Homem livre, pois, o escritor - ou que visceralmente deseja sê-lo. Tão livre, ou tão necessitado de o ser, que nem sequer pode estar de acordo com certas situações para que ardorosamente contribuiu: seja numa sociedade burguesa, seja numa sociedade proletária, ele sempre encontrará razões para a sua insubmissão e para o seu inconformismo, mesmo se, muitas vezes, se trate de uma contestação inconsciente. 

(Fernando Namora, in 'Jornal sem Data')
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