"A literatura tem essa magia de nos tornar contemporâneos de quem quisermos." (Inês Pedrosa)

terça-feira, 31 de maio de 2011

Nossos Defeitos

Conhecer os próprios defeitos é tarefa árdua. Até o homem mais perfeito não escapa deles. Existem defeitos do intelecto, e eles são maiores - ou se notam mais facilmente - em pessoas de grande inteligência. Não porque a pessoa não tenha consciência deles, mas porque os ama. Dois males em um: afeição irracional, concedida aos vícios. Trata-se de manchas no rosto da perfeição. Aqui o esforçado deve vencer a si mesmo, pois os defeitos são notados rapidamente por todos. Em vez de admirarem nosso talento,repisam nosso defeito, usando-o para diminuir nossos outros dons.

(Baltasar Grácian)

domingo, 29 de maio de 2011

Os amantes e os loucos

Edvard Munch
"Os amantes e os loucos 

são de cérebro tão efervescente;

neles a fantasia é tão criadora 

que enxergam o que o frio

entendimento jamais pode 

entender.

O namorado, o lunático e o poeta 

são compostos só de

imaginação."


(William Shakespeare)


sexta-feira, 27 de maio de 2011

A Punição

A punição destina-se a eliminar comportamentos inadequados, ameaçadores ou, por outro lado, indesejáveis de um dado repertório, com base no princípio de que quem é punido apresenta menor possibilidade de repetir seu comportamento. Infelizmente, o problema não é tão simples como parece. A recompensa (reforço) e a punição não diferem unicamente com relação aos efeitos que produzem. Uma criança castigada de modo severo por  brincadeiras sexuais não ficará necessariamente desestimulada de continuar, da mesma forma que homem preso por assalto violento não terá necessariamente diminuída sua tendência à violência. Comportamentos sujeitos a punições tendem a se repetir assim que as contingências punitivas forem removidas. 

(Burrhus Frederic Skinner)

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Fico quieto, seja discreto...

Leonid Afremov

Fico quieto. Primeiro que paixão deve ser coisa discreta, calada, centrada. Se você começa a espalhar aos sete ventos, crau, dá errado. Isso porque ao contar a gente tem a tendência a, digamos, “embonitar” a coisa, e portanto distanciar-se dela, apaixonando-se mais pelo supor-se apaixonado do que pelo objeto da paixão propriamente dito. Sei que é complicado, mas contar falsifica, é isso que quero dizer — e pensando mais longe, por isso mesmo literatura é sempre fraude. Quanto mais não-dita, melhor a paixão. Melhor, claro, em certo sentido que signifíca também o pior: as mais nobres paixões são também as mais cadelas, como aquelas que enlouqueceram Adele H., levaram Oscar Wilde para a prisão ou fizeram a divina Vera Fischer ser queimada feito Joana d’Arc por não ser uma funcionária pública exemplar.

(Caio Fernando Abreu)

terça-feira, 24 de maio de 2011

Lágrima de Preta

















Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.

Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.

Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.

Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.

Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:

Nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.

(António Gedeão)

domingo, 22 de maio de 2011

Saciar o desejo


Sentia-me à vontade em tudo, isso é verdade, mas ao mesmo tempo nada me satisfazia. Cada alegria fazia-me desejar outra. Ia de festa em festa. Acontecia-me dançar noites a fio, cada vez mais louco com os seres e com a vida. Por vezes, já bastante tarde, nessas noites em que a dança, o álcool leve, o meu desenfreamento, o violento abandono de cada qual, me lançavam para um arroubo ao mesmo tempo lasso e pleno, parecia-me, no extremo da fadiga e no lapso de um segundo, compreender, enfim, o segredo dos seres e do mundo. Mas a fadiga desaparecia no dia seguinte e, com ela, o segredo; e eu atirava-me outra vez. 

(Albert Camus, in "A Queda")



sexta-feira, 20 de maio de 2011

Morrer


















Morrer.
Morrer de corpo e alma.
Completamente.

Morrer sem deixar o triste despojo da carne, a exangue máscara de cera,
Cercada de flores, que apodrecerão – felizes! – num dia,
Banhada de lágrimas
Nascida menos da saudade do que do espanto da morte.

Morrer sem deixar porventura uma alma errante...
A caminho do céu?
Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?

Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra,
A lembrança de uma sombra
Em nenhum coração, em nenhum pensamento,
Em nenhuma epiderme.

Morrer tão completamente
Que um dia ao lerem o teu nome num papel
Perguntem: “Quem foi?...”
Morrer mais completamente ainda
- Sem deixar sequer esse nome.

(Manuel Bandeira)

quinta-feira, 19 de maio de 2011

O mal romântico

É humano querer o que nos é preciso, e é humano desejar o que não nos é preciso, mas é para nós desejável. O que é doença é desejar com igual intensidade o que é preciso e o que é desejável, e sofrer por não ser perfeito como se se sofresse por não ter pão. O mal romântico é este: é querer a lua como se houvesse maneira de a obter.

(Fernando Pessoa, Livro do Desassossego)

quarta-feira, 18 de maio de 2011

A Moral segundo Nietzsche

Leonid Afremov
... muitas ações são qualificadas como más e são apenas estúpidas, porque o grau de inteligência que foi decisivo para elas era muito baixo. Melhor ainda, num certo sentido, mesmo hoje, todas as ações são estúpidas, pois o grau mais elevado de inteligência humana, que pode ser alcançado hoje em dia, seria ainda seguramente ultrapassado: e então, ao olhar para trás, todo o nosso comportamento e todos os nossos juízos parecerão tão limitados e considerados como o comportamento e o juízo de tribos selvagens e atrasadas.

Reconhecer tudo isso pode causar uma profunda dor, mas não sem uma consolação: essas são as dores de parto. A borboleta quer romper seu casulo, ela o puxa e o rasga: então a luz desconhecida a cega e inebria, o império da liberdade. É em homens capazes dessa tristeza - quão poucos serão! - que será feita a primeira experiência para ver se a humanidade, de moral como é, se pode transformar em sábia. O sol de um novo evangelho lança seu primeiro raio sobre os mais altos cumes na alma desses indivíduos: lá, as nuvens se acumulam mais espessas que em qualquer outro lugar e, lado a lado, reinam o fulgor mais claro e o crepúsculo mais sombrio. Tudo é necessidade - é o que diz o novo conhecimento: e esse conhecimento é ele próprio necessidade. Tudo é inocência: e o conhecimento é o caminho para chegar a compreensão dessa inocência.

(Friedrich Nietzsche in Humano, Demasiado Humano)

terça-feira, 17 de maio de 2011

Acreditar em Deus é...

Acreditar em Deus é, antes de mais nada e principalmente, querer que ele exista. O sentimento religioso não mora no mundo das coisas que existem. Se Deus existisse, então o mundo seria o Paraíso. Deus mora no mundo das coisas que não tem existência neste mundo, mora no mundo da saudade, da nostalgia. Os deuses que moram no mundo das coisas que existem, não são deuses. São ídolos.


(Miguel de Unamuno)

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Embriaguez

Jean Beraud
Beber é algo emocional. Faz com que você saia da rotina do dia-a-dia, impede que tudo seja igual. Arranca você pra fora do seu corpo e de sua mente e joga contra a parede. Eu tenho a impressão de que beber é uma forma de suicídio onde você é permitido voltar à vida e começar tudo de novo no dia seguinte. É como se matar e renascer. Acho que eu já vivi cerca de dez ou quinze mil vidas.

(Charles Bukowski)



terça-feira, 10 de maio de 2011

Niilismo russo





















- Quem é Bazarov? - Perguntou sorrindo Arcádio. Quer, meu tio, que lhe diga, quem é de fato?
- Faça me o favor, meu caro sobrinho.
- Ele é niilista.
- Como? - perguntou Nicolau Petrovitch, enquanto Pavel Petrovitch erguia a faca com um pouco de manteiga na ponta.

- Ele é niilista - repetiu Arcádio.
- Niilista - disse Nicolau Petrovitch - vem do latim, e significa: nihil - nada, segundo eu sei. Quer dizer que essa palavra se refere ao homem que... em nada crê ou nada reconhece?
- Pode dizer: O homem que nada respeita - explicou Pavel Petrovitch, voltando novamente sua atenção para a manteiga.
- Aquele que tudo examina do ponto de vista crítico - sugeriu Arcádio.
- Não é a mesma cousa? - perguntou Pavel Petrovitch.
- Não, não é mesmo. O niilista é o homem que não se curva perante nenhuma autoridade e que não admite como artigo de fé nenhum princípio, por maior respeito que mereça...
- E isso está bem? - interrompeu Pavel Petrovitch.
- Depende, tio. para alguns está bem e para outros não.

(Ivan Turgueniev 'Pais e Filhos')



domingo, 8 de maio de 2011

Incompreendidos

Edvard Munch
Serei eu tão difícil de ser entendido e tão fácil de ser mal-entendido em todas as minhas intenções, planos e amizades? Ah, nós, solitários e espíritos livres - sempre nos fazem de algum modo perceber que parecemos constantemente diferentes daquilo que pensamos. Embora aspiremos a nada mais que sermos verdadeiros e diretos, somos cercados por uma teia de mal-entendidos e, apesar dos nossos ardentes desejos, não conseguimos evitar que nossas ações sejam turvadas por uma nuvem de falsa opinião, acordos precários, quase-concessões, silêncio caridoso e interpretações errôneas.

(Friedrich Nietzsche)


domingo, 1 de maio de 2011

Deitado ao fundo

Estou sentado sobre a minha mala
No velho bergantim desmantelado...
Quanto tempo, meu Deus, malbaratado
Em tanta inútil, misteriosa escala!

Joguei a minha bússola quebrada
Às águas fundas... E afinal sem norte,
Como o velho Sindbad de alma cansada
Eu nada mais desejo, nem a morte...

Delícia de ficar deitado ao fundo
Do barco, a vos olhar, velas paradas!
Se em toda parte é sempre o Fim do Mundo

Pra que partir? Sempre se chega, enfim...
Pra que seguir empós das alvoradas
Se, por si mesmas, elas vem a mim?

(Mário Quintana)

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