"A literatura tem essa magia de nos tornar contemporâneos de quem quisermos." (Inês Pedrosa)

domingo, 26 de maio de 2013

Vida e Morte

A Morte de Casagemas - Picasso
Partiu assim, de repente, sem avisar nem dar adeus. Não deixou um bilhete, também não levou nada. Seu relógio e seu óculos continuam intocáveis na cabeceira da cama, móveis inalterados, paredes intactas, tudo no seu lugar à espera do irretornável.  Era uma cinzenta tarde sábado, numa colisão frontal e um último apelo por Nossa Senhora, que o Sol se pôs mais cedo e não mais retornou. E assim meu pai se foi... para iluminar, talvez, outros mundos. 

Me deparo com o absurdo, o corpo relativamente intacto, porém irreconhecível. Irreconhecível não porque não fosse possível reconhecer a semelhança entre a pessoa a quem pertencia, mas por se parecer com uma cópia barata da vida, mas sem vida. E aquele ser que habitou aquele corpo, mas que também foi corpo por inteiro, desapareceu. E me pergunto incansavelmente pra onde foi?  Se aquela antiga lei de que nada se perde, apenas se transforma, também se aplica à imaterialidade do que somos. Não encontro resposta. E repousa sobre mim o duro fardo, a impossível tarefa que se impõe como um dever absurdo, de resolver este enigma. Como se fosse possível mover a terra de uma possível rota de colisão com algum astro errante. Todo esforço intelectual é inútil. A lógica opera impotente diante do enigma insolúvel da vida e da morte. Talvez o absurdo seja isso, impotência da razão diante do incompreensível. Num último esforço, quero apenas viver sem apelação. 

- Alan Teixeira da Silva

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Da Altiva Sabedoria


O ar leve e puro, o perigo próximo e o espírito cheio de uma alegre malícia, tudo isto se harmoniza bem. Eu quero ver duendes em torno de mim porque sou valoroso. O valor que afugenta os fantasmas cria os seus próprios duendes: o valor quer rir.
Eu já não sinto um uníssono convosco; essa nuvem que eu vejo abaixo de mim, esse negrume e carregamento de que me rio, é exatamente a vossa nuvem tempestuosa.
Vós olhais para o alto quando aspirais a vos elevar. Eu, como estou alto, olha para baixo.
Qual de vós pode estar alto e rir ao mesmo tempo?
O que escala elevados montes ri-se de todas as tragédias, as do teatro e as da vida.
Valorosos, despreocupados, zombeteiros, violentos, eis como nos quer a sabedoria. É mulher e só lutadores pode amar.
Vós me dizeis: ‘A vida é uma carga pesada’. Mas para que é esse vosso orgulho pela manhã e essa vossa submissão à tarde?
A vida é uma carga pesada; mas não vos mostreis tão delicados! Todos nós somos bons jumentos e mulas de carga.
Que parecença temos com o cálice de rosa que treme porque o oprime uma gota de orvalho?
É verdade: amamos a vida não porque estejamos acostumados a viver, mas porque estamos acostumados a amar.
Há sempre o seu quê de loucura no amor; mas também há sempre o seu quê de razão na loucura. E eu, que estou bem com a vida, creio que para saber de felicidade não há como as borboletas e as bolhas de sabão, e o que se lhes assemelhe entre os homens.
Ver revolutear essas almas aladas e loucas, encantadoras e buliçosas, é o que arranca a Zaratustra lágrimas e canções.
Eu só poderia crer num Deus que soubesse dançar.
E quando vi o meu demônio, pareceu-me sério, grave, profundo e solene: era o espírito do pesadume. Por ele caem todas as coisas.
Não é com raiva, mas com riso que se mata. Adiante! Matemos o espírito do pesadume!
Eu aprendi a andar; por conseguinte corro. Eu aprendi a vor; portanto não quero que me empurrem para me mudar de lugar.
Agora sou leve, agora vôo; agora vejo a mim mesmo por baixo de mim, agora dança em mim um Deus.”
Assim falou Zaratustra.

Friedrich Nietzsche,
Assim Falou Zaratustra
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