"A literatura tem essa magia de nos tornar contemporâneos de quem quisermos." (Inês Pedrosa)

sábado, 24 de agosto de 2013

A minha arte é ser eu

A minha arte é ser eu. Eu sou muitos. Mas, com o ser muitos, sou muitos em fluidez e imprecisão. Se faço estas análises de um modo lasso e casual, não é senão porque assim retrato mais o que sou. De uma análise propriamente profunda não só sou incapaz, mas sou também artista de mais para a pensar em fazer; pensar em faze-la seria pensar em dar de mim a ideia de que sou uma criatura disciplinada e coerente, quando o que sou é um analisador disperso e subtilmente desconcentrado. A minha arte é ser eu. Eu sou muitos. Mas, com o ser muitos, sou muitos em fluidez e imprecisão.

Muitos crêem coisas falsas ou incompletas de mim; e eu, falando com eles, faço tudo por deixa-los continuar nessa crença. Perante um que me julgue um mero crítico, eu só falo crítica. A princípio fazia isto espontaneamente. Depois decidi que isto era porque, no meu perpétuo anseio de não levantar atritos, (…)

Fernando Pessoa

domingo, 18 de agosto de 2013

Word's Lonely

"Seria bom poder discutir o que propus. Às vezes, quando a aula não foi boa, bastaria pouca coisa, uma pergunta, para pôr tudo no devido lugar. Mas essa pergunta nunca vem. De fato, na França, o efeito de grupo torna qualquer discussão real impossível. E, como não há canal de retorno, o curso se teatraliza. Tenho com as pessoas que estão aqui uma relação de ator ou de acrobata. E, quando termino de falar, uma sensação de total solidão..."

- Michel Foucault, 
Nascimento da Biopolítica

sábado, 3 de agosto de 2013

Interpretação e Superinterpretação

“Algumas teorias da crítica contemporânea afirmam que a única leitura confiável de um texto é uma leitura equivocada, que a existência de um texto só é dada pela cadeia de respostas que evoca e que, como Todorov sugeriu maliciosamente (citando Lichtenberg a propósito de Boehme), um texto é apenas um piquenique onde o autor entra com as palavras e os leitores com o sentido.

Mesmo que isso fosse verdade, as palavras trazidas pelo autor são um conjunto um tanto embaraçoso de evidências materiais que o leitor não pode deixar passar em silêncio, nem em barulho. Se bem me lembro, foi aqui na Inglaterra que alguém sugeriu, anos atrás, que é possível fazer coisas com palavras. Interpretar um texto significa explicar por que essas palavras podem fazer várias coisas ( e não outras) através do modo pelo qual são interpretadas. Mas se Jack, o Estripador, nos dissesse que fez o que fez baseado em sua interpretação do Evangelho segundo São Lucas, suspeito que muitos críticos voltados para o leitor se inclinariam a pensar que ele havia lido São Lucas de uma forma despropositada.

Os críticos não voltados para o leitor diriam que Jack, o Estripador, estava completamente louco – e confesso que, mesmo sentindo muita simpatia pelo paradigma voltado para o leitor, e mesmo tendo lido Cooper, Laing e Guattari, muito a contragosto eu concordaria com que Jack, o Estripador, precisava de cuidados médicos.” 

Umberto Eco, 
Interpretação e Superinterpretação
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