Pela primeira
vez, então, nos damos conta de que a nossa língua não tem palavras para
expressar esta ofensa, a aniquilação de um homem. Num instante, por intuição
quase profética, a realidade nos foi revelada: chegamos ao fundo. Mais para
baixo não é possível. Condição humana mais miserável não existe, não dá para
imaginar. Nada mais miserável não existe, não dá para imaginar. Nada mais é
nosso: tiraram-nos as roupas, os sapatos, até os cabelos; se falarmos, não nos
escutarão – e, se nos escutarem, não nos compreenderão. Roubarão também o nosso
nome, e, se quisermos mantê-lo, deveremos encontrar dentro de nós a força para
tanto, para que, além do nome, sobre alguma coisa de nós, do que éramos.
Imagine-se,
agora, um homem privado não apenas dos seres queridos, mas de sua casa, seus
hábitos, sua roupa, tudo enfim, rigorosamente tudo que possuía; ele será um ser
vazio, reduzido a puro sofrimento e carência, esquecido de dignidade e
discernimento – pois quem perde tudo, muitas vezes perde também a si mesmo;
transformado em algo tão miserável, que facilmente se decidirá sobre sua vida e
sua morte, sem qualquer sentimento de afinidade humana, na melhor das hipóteses
considerando puros critérios de conveniência. Ficará claro, então, o duplo significado
da expressão “Campo de Extermínio”, bem como o que desejo expressar quando
digo: chegar no fundo.
É Isto Um Homem?,
Primo Levi