"A literatura tem essa magia de nos tornar contemporâneos de quem quisermos." (Inês Pedrosa)

sábado, 30 de julho de 2011

Consolo na praia

















Vamos, não chores

A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu.


O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.


Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis casa, navio, terra.
Mas tens um cão.


Algumas palavras duras.
À sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.


Tudo somado, devias
precipitar-te - de vez - nas águas.
Estás nu na areia, no vento...
Dorme, meu filho.


(Carlos Drummond de Andrade)

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Felicidade Clandestina

"Porque eu me imaginava mais forte. Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreesões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil. É porque eu não quis o amor solene, sem compreender que a solenidade ritualiza a incompreensão e a transforma em oferenda. E é também porque sempre fui de brigar muito, meu modo é brigando. É porque sempre tento chegar pelo meu modo. É porque ainda não sei ceder. É porque no fundo eu quero amar o que eu amaria - e não o que é. É porque ainda não sou eu mesma, e então o castigo é amar um mundo que não é ele. É também porque eu me ofendo à toa. É porque talvez eu precise que me digam com brutalidade, pois sou muito teimosa."

(Felicidade Clandestina - Clarice Lispector)

terça-feira, 26 de julho de 2011

Há metafísica bastante em não pensar...


Há metafísica bastante em não pensar em nada.

O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.

Que idéia tenho eu das cousas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do Mundo?

Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).

O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol
E a pensar muitas cousas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.

Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores?
A de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
A nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas,
Que é a de não saber para que vivem
Nem saber que o não sabem?

"Constituição íntima das cousas"...
"Sentido íntimo do Universo"...
Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
É incrível que se possa pensar em cousas dessas.
É como pensar em razões e fins
Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores
Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.

Pensar no sentido íntimo das cousas
É acrescentado, como pensar na saúde
Ou levar um copo à água das fontes.

O único sentido íntimo das cousas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.
Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!

(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as cousas,
Não compreende quem fala delas
Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)

Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.

Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.

E por isso eu obedeço-lhe,
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?).
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda a hora.


(Alberto Caeiro)



(Fernando Pessoa)

domingo, 24 de julho de 2011

Perto da terra

O homem é um ser inteligente, sem dúvida, mas não tanto quanto seria desejável, e esta é uma verificação e confissão de humildade que sempre deverá começar por nós próprios, como da caridade bem compreendida se diz, antes que nos atirem à cara.

(José Saramago in "A Jangada de Pedra")

sábado, 23 de julho de 2011

Multi-humanidade

Edvard Munch

Nenhum povo poderia viver sem avaliar; mas, para se conservar, não deve avaliar como o seu vizinho. Muitas coisas que um povo chamava boas eram para outros vergonhosas e desprezíveis; foi o que vi. Muitas coisas, aqui qualificadas de más, em outro lugar as enfeitavam com o manto de púrpura das honrarias. Nunca um vizinho compreendeu o outro; sempre a sua alma se assombrou da loucura e da maldade do vizinho. Sobre cada povo está suspensa uma tábua de bens. E vede: é a tabua dos triunfos dos seus esforços; é a voz da sua vontade de potência. (...)
A verdade é que os homens deram a si mesmos todo o seu bem e todo o seu mal. A verdade é que não o tomaram, que o não encontraram, que não lhes caiu como uma voz do céu. O homem é que pôs valores nas coisas com a intenção de conservar; foi ele que deu um sentido às coisas, um sentido humano. Por isso se chama 'homem', isto é, o que avalia. (...)

Muitos países e muitos povos viu Zaratustra. Não encontrou poder maior na terra que a obra dos amantes; 'bem' e 'mal' é o seu nome.

Até o momento tem havido mil objetos, porque tem havido mil povos. Só falta a cadeia das mil cervizes: falta o único objeto. A humanidade não tem objeto. Mas dizei-me, irmãos: se falta objeto à humanidade, não é porque ela mesma ainda não existe?

(Friedrich Nietzsche in 'Assim Falou Zaratustra')

sexta-feira, 22 de julho de 2011

O perigo dos hábitos

Salvador Dalí "Cannibal"

A tirania é um hábito, tem a propriedade de se desenvolver, e se dilata a tal ponto que acaba virando doença. Assevero que o melhor dos homens pode, com o hábito, acabar se transformando num animal feroz. Sangue e poder estonteiam, em geral desenvolvem a brutalidade e a perversão; o espírito e o sentimento se tornam pasto de prazeres esdrúxulos. O homem e o cidadão deixam de coexistir, surgindo então apenas o tirano e a volta ao estado de homem e cidadão se torna de todo impossível, não havendo mais consciência nem arrependimento e sim voracidade e delícia. Daí o perigo da possibilidade de um idêntico despotismo contagiar a sociedade; esse poder é infinito. Uma sociedade que se afaz a tais conjunturas já está corroída até o âmago.

(Fiodor Dostoievski, Recordações da Casa dos Mortos)

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Nossos vícios

Devemos encarar com tolerância toda loucura, fracasso e vício dos outros, sabendo que encaramos apenas nossa própria loucura, fracasso e vício. Pois eles são os fracassos da humanidade à qual também pertencemos e assim temos os mesmos fracassos em nós. Não devemos nos indignar com os outros por esses vícios apenas por não aparecerem em nós naquele momento. 

(Arthur Schopenhauer)

domingo, 17 de julho de 2011

Desafio Literário

Respondendo o caro Bento Sales do blog Folhas Soltas que me mandou esse desafio que vou responder  em seguida,  porém, antes quero lhe agradecer  pelo respeito, consideração e amizade de sempre: muitíssimo obrigado!

Então ,vamos lá!



1 - Existe um livro que você leria e releria várias vezes?

Sim.  Assim Falou Zaratustra, de Friedrich Nietzsche


2 - Existe um livro que você começou a ler, parou, recomeçou, tentou e tentou, mas nunca conseguiu ler até o final?
Sim, Cem Anos de Solidão. Já comecei, recomecei e nunca terminei.

3 - Se você escolhesse um livro para ler para o resto da sua vida, qual seria ele?
Livro do Desassossego, Fernando Pessoa.


4 - Que livro você gostaria de ter lido, mas que, por algum motivo, nunca leu?

Fausto, de Goethe. Por falta de insistência no estilo poético e sua linguagem, digamos, difícil de digerir.



5 - Qual livro que você leu cuja "cena final" você jamais conseguiu esquecer?

Ensaio Sobre a Cegueira, José Saramago. O livro inteira é uma tela, mas a cena final descrevendo as ruínas da civilização jamais vou esquecer.




6 - Você tinha o hábito de ler quando criança? Se lia, qual tipo de leitura?
Sim e não. Quando criança devorava histórias em quadrinhos, Asterix e Obelix, Calvin e Haroldo e tantos outros... mas fiz uma longa pausa até voltar no fim da adolescência. 


7 - Qual o livro que você achou chato, mas ainda assim o leu até o final?
A Náusea, de Sartre. Como obra filosófica é excelente e indescritível, mas como literatura é maçante.

8 - Indique alguns dos seus livros favoritos.

As Intermitências da Morte, Saramago; 
Ensaio Sobre a Cegueira, Saramago; 
Ensaio Sobre a Lucidez, Saramago; 
Assim Falou Zaratustra, Nietzsche; 
Admirável Mundo Novo, Huxley; 
A Revolução dos Bichos, George Orwell; 
Elogio da Loucura, Erasmo de Roterdam; 
O Mito de Sisifo, Camus; 
Livro do Desassossego, Fernando Pessoa; 
A Rua dos Cataventos, Mário Quintana;
Sentimento do Mundo, Drummond; 
O Castelo, Franz Kafka; 
Hamlet, Shakespeare; 
O Alienista, Machado de Assis; 
Pais e Filhos, Turgueniev e 

Quando Nietzsche Chorou. 




9 - Qual livro você está lendo no momento?

A Cura de Schopenhauer, Irvin Yalon e a A Grande História da Evolução, Richard Dawkins.

Agora tenho de indicar 5 blogs para o desafio.

Sabor da Letra, de Evando Oliveira.
E Versos de Fogo de William Garibalde

sexta-feira, 15 de julho de 2011

A eternidade é agora

Se um dia lhe perguntarem quantos anos tem, não se apresse a responder quantos já viveu, isso já não é seu, pertence ao nada. Não se engane em responder que só tem por viver, isso também pertence ao nada. A menos que viva rolando a pedra do futuro ou do passado, carregando um peso inútil do paraíso perdido ou a miragem sonhada. Tudo que você pode responder é que tem a eternidade, afinal a eternidade é agora, cabe a nós, e somente a nós, vivermos a eternidade em nossa finitude ou sermos finitos em nossa eternidade. Viver o oitavo dia da semana, a vigésima quarta hora do ano zero...

(Alan Tykhé)
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