Leonid Afremov |
Repousa em mim o vir a ser, essa mágica contida que se insinua sob a pele, por trás dos olhos, na umidade das mãos. Anda em mim um deambular de ventos e esvoaçares, um balbuciar de verso, uma esperança sobrevivente salva por milagre. Habita em mim uma prenhez de sentido que me veio povoar os poros, pôr errância no olhar e tatuar o corpo com signos de sonhos e agora eu quase sei. Veio ter comigo a inquietude das vésperas. Quando meu coração cria asas e ganha os céus onde o infinito é bordado de azul, minha alma é toda de sonhos e meus pés nem ousam tocar o chão. A distância que separa meus pensamentos da poesia tem a duração do bater das asas de um beija-flor. E então fica o peito a retumbar. E então a gente se permite espiar pela fresta, olhar de relance, pelo buraco da fechadura e revê um tanto e lembra de tudo, e sorri, e meio que volta, e é como se não tivesse deixado de ser, é como se houvesse um agora que fosse sempre, que não virasse ontem, que não se cobrisse de passado, e a gente refloresce, a gente chove, a gente mergulha, a gente quase volta a saciar a sede, quase sente na pele, quase dança, quase sonha, quase delinquesce, quase enlouquece, quase goza, quase fica feliz de novo. Mas aí lembra que... E tem que deslembrar. Agora.
(Manoel de Barros)
Um comentário:
Obrigada pela visita e pelo comentário! Gosto dos textos que você publica nos seus blogs. Abraços.
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