H. Bosch - Temptation of Saint Anthony |
À entrada estão os levitas à espera dos que vêm oferecer sacrifícios, porém neste lugar a atmosfera será tudo menos piedosa, salvo se a pidade era então compreendida doutra maneira, não é só o cheiro e o fumo das gorduras estorricadas, do sangue fresco, do incenso, é também o vozear dos homens, os berros, os balidos, os mugidos dos animais que esperam vez no matadouro, o último e áspero grasnido duma ave que antes soubera cantar. Maria diz ao levita que os atendeu que vem para a purificação e José entrega as rolas. (...)
Lá dentro é uma forja, um talho e um matadouro. Em cima de duas grandes mesas de pedra prepara-se as vítimas de maiores dimensões, os bois e os vitelos, sobre-tudo, mas também carneiros e ovelhas, cabras e bodes. Perto das mesas encontram-se uns altos pilares onde se dependuram, em ganchos chumbado na pedra, as carcaças das reses e vê-se a frenética actividade do arsenal dos açougues, as facas, os cutelos, o machados, os serrotes, a atmosfera está carregada dos fumos da lenha e dos coiratos queimados, de vapor de sangue e de suor, uma alma qualquer, que nem precisará ser santa, das vulgares, terá dificuldade em entender como poderá Deus sentir-se feliz em meio de tal carnificina, sendo, como diz que é, pai comum dos homens e das bestas. (...)
Ninguém dá atenção ao que se passa, é apenas uma pequena morte. José, de cabeça levantada, quereria perceber, identificar, entre o fumo geral e os cheiros gerais, o fumo e o cheiro do seu sacrificio, quando o sacerdote, depois de salgar a cabeça e o corpo da ave, os atirar à fogueira.
(José Saramago "O Evangelho Segundo Jesus Cristo")
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