O ar leve e
puro, o perigo próximo e o espírito cheio de uma alegre malícia, tudo isto se
harmoniza bem. Eu quero ver duendes em torno de mim porque sou valoroso. O
valor que afugenta os fantasmas cria os seus próprios duendes: o valor quer
rir.
Eu já não sinto
um uníssono convosco; essa nuvem que eu vejo abaixo de mim, esse negrume e
carregamento de que me rio, é exatamente a vossa nuvem tempestuosa.
Vós olhais
para o alto quando aspirais a vos elevar. Eu, como estou alto, olha para
baixo.
Qual de vós
pode estar alto e rir ao mesmo tempo?
O que escala
elevados montes ri-se de todas as tragédias, as do teatro e as da vida.
Valorosos,
despreocupados, zombeteiros, violentos, eis como nos quer a sabedoria. É mulher
e só lutadores pode amar.
Vós me
dizeis: ‘A vida é uma carga pesada’. Mas para que é esse vosso orgulho pela
manhã e essa vossa submissão à tarde?
A vida é uma
carga pesada; mas não vos mostreis tão delicados! Todos nós somos bons jumentos
e mulas de carga.
Que parecença
temos com o cálice de rosa que treme porque o oprime uma gota de orvalho?
É verdade:
amamos a vida não porque estejamos acostumados a viver, mas porque estamos
acostumados a amar.
Há sempre o
seu quê de loucura no amor; mas também há sempre o seu quê de razão na loucura.
E eu, que estou bem com a vida, creio que para saber de felicidade não há como
as borboletas e as bolhas de sabão, e o que se lhes assemelhe entre os homens.
Ver
revolutear essas almas aladas e loucas, encantadoras e buliçosas, é o que
arranca a Zaratustra lágrimas e canções.
Eu só poderia
crer num Deus que soubesse dançar.
E quando vi o
meu demônio, pareceu-me sério, grave, profundo e solene: era o espírito do
pesadume. Por ele caem todas as coisas.
Não é com
raiva, mas com riso que se mata. Adiante! Matemos o espírito do pesadume!
Eu aprendi a
andar; por conseguinte corro. Eu aprendi a vor; portanto não quero que me
empurrem para me mudar de lugar.
Agora sou
leve, agora vôo; agora vejo a mim mesmo por baixo de mim, agora dança em mim um
Deus.”
Assim falou
Zaratustra.
Friedrich Nietzsche,
Assim Falou Zaratustra
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