Se alguém se aproximasse de um cômico mascarado, no instante em que estivesse desempenhando o seu papel, e tentasse arrancar-lhe a máscara para que os espectadores lhe vissem o rosto, não perturbaria assim toda a cena? Não mereceria ser expulso a pedradas, como um estúpido e petulante? No entanto, os cômicos mascarados tornariam a aparecer; ver-se-ia que a mulher era um homem, a criança um velho, o rei um infeliz e Deus um sujeito à-toa. Querer, porém, acabar com essa ilusão importaria em perturbar inteiramente a cena, pois os olhos dos espectadores se divertiam justamente com a troca das roupas e das fisionomias. Vamos à aplicação: que é, afinal, a vida humana? Uma comédia. Cada qual aparece diferente de si mesmo; cada qual representa o seu papel sempre mascarado, pelo menos enquanto o chefe dos comediantes não o faz descer do palco. O mesmo ator aparece sob várias figuras, e o que estava sentado no trono, soberbamente vestido, surge, em seguida, disfarçado em escravo, coberto por miseráveis andrajos. Para dizer a verdade, tudo neste mundo não passa de uma sombra e de uma aparência, mas o fato é que esta grande e longa comédia não pode ser representada de outra forma.
(Erasmo de Roterdam - Elogio da Loucura)
2 comentários:
Resumindo a Ópera: ninguém é como é; ninguém se mostra. Esta vida é um palco onde cada um veste sua fantasia... Tudo muito estranho.
Bjs
Tais luso
Erasmo de Roterdan certamente foi também um tirador de máscaras. Senão como o petulante que interrompe a apresentação, ao menos por denunciar as máscaras. Aliás, se ele não fosse um tirador de máscaras por que diabos o estaría-mos lendo? hahahaha
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