Quando o coração é sensível e o espírito contundente, basta lançar um olhar sobre o mundo para ver a miséria da criatura e pressentir as vias da redenção; se são insensíveis e embotados, serão necessárias perturbações maciças para desencadear sensações fracas. É assim que um príncipe mimado se apercebeu pela primeira vez de um mendigo, de um doente e de um morto ― e tornou-se assim em Buda; em contrapartida, um escritor contemporâneo vive a experiência de montanhas de cadáveres e do horroroso aniquilamento de milhares de indivíduos nas conturbações do pós-guerra na Rússia ― e conclui que o mundo não está em ordem e tira daí uma série de romances muito comedidos. Um, vê no sofrimento a essência do ser e procura uma libertação no fundamento do mundo; o outro, vê-a como uma situação de infelicidade à qual se pode, e deve, remediar ativamente. Tal alma sentir-se-á mais fortemente interpelada pela imperfeição do mundo, enquanto a outra sê-lo-á pelo esplendor da criação. Um, só vive o além como verdadeiro se ele se apresentar com brilho e com grande barulho, com a violência e o pavor de um poder superior sob a forma de uma pessoa soberana e de uma organização; para o outro, o rosto e os gestos de cada homem são transparentes e deixam transparecer nele a solidão de Deus.
- Eric Voegelin
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