Domingo, 15 de julho de 2012.
Eu estava num ônibus com destino à São Paulo, SP. O ônibus fez uma parada na cidade de Governador Valadares, MG, para trocar de motorista. Desci do ônibus e fui ao banheiro, quando voltei fui abordado por um homem de aparentemente 35 anos, mal vestido e com odor que denunciava, não somente o tempo em que ele estava sem banho, mas o crime perfeito de uma sociedade saturada. Ouvi-o pedir 25 centavos, porém o preconceito por estranhos mal vestidos travestido em medo, me obrigou a ignorá-lo e antes de entrar no ônibus olhei para trás e visualizei novamente aquele homem. Um olhar penetrante que pedia socorro, um olhar inocente e ao mesmo tempo culpado. Um olhar que denunciava silenciosamente o meu crime. Não sei o seu nome, a sua história, de onde vinha e pra onde iria. Não sei se tem ao menos uma família. Não sei onde está. E nem sei sequer se está vivo ou morto. Não sei se é mais um destes expulsos dos grandes centros pela policia ou política de "limpeza urbana" com uma passagem na mão para uma terra distante. Ou se é um destes expulsos de casa pelas próprias famílias.
O crime perfeito de uma sociedade saturada que inflige a culpa e o castigo da exclusão sobre todos aqueles que não se enquadram. Lhes negam emprego, negam trabalho, negam uma moradia, negam o pão de cada dia. Não lhes é permitido ficar em lugar nenhum lugar, porque o lugar não somente não os pertence, como pertence legalmente a alguém. São obrigados a ficar vagando de um lugar para o outro. Ao lhes negar emprego ou trabalho implicitamente também lhes negam o status de cidadão, lhes negam dignidade e até mesmo direito de possuir uma alma, se for realmente verdade que o trabalho dignifica a alma. Lhes negam até o direito de existir. Talvez se lhes dessem a oportunidade, mudariam até de planeta, desde que pudessem ter uma alma, dignidade e um trabalho.
Sentimos compaixão por eles não porque somos bons, mas porque sentimo-nos culpados diante deles. Nenhum crime de guerra, holocausto ou genocídio se compara com o nosso crime diário. Em todos os lugares do mundo, não poupamos homens, mulheres ou crianças de nenhuma nacionalidade, de nenhuma etnia, de nenhuma religião. Chegamos ao absurdo fato de que para existir precisamos possuir. Possuir casas, carros apartamentos, dinheiro. Precisamos comprar, gastar, consumir, esbanjar. Desde então consumimos o tempo todo como se houvesse um buraco negro insaciável dentro de cada um nós e o objetivo final da existência fosse apenas este. O absurdo fato de que as relações humanas não são mais mediadas pela solidariedade, pela cooperação e sobrevivência conjunta, mas mediadas pelo capital, pelo consumo e por objetos mágicos de consumo que adquirem vida e se tornam a razão da existência humana.
A sociedade é um mito. Ao contrário do progresso imaginado no tempo das Luzes, nos degeneramos, regredimos e nos tornamos a cultura mais estranha, irracional e também, ao contrário de qualquer outra cultura selvagem, a menos espirituosa. Não temos nenhum deus senão o próprio capital. Mas para nos salvar é preciso que sacrifiquemos todas essas almas ao grande deus metamorfoseado em animais estampados em mágicos pedaços de papéis.
- Alan Teixeira
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