"A literatura tem essa magia de nos tornar contemporâneos de quem quisermos." (Inês Pedrosa)

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Há pessoas demais no mundo

Raul Alexandre

Há pessoas demais no mundo para que se encontre algo especial na humanidade
Pessoas demais neste país
Pessoas demais nesta cidade
Pessoas demais nas ruas
Pessoas demais nos supermercados,
nos bares,
nas estações de metrô
ou sentando seus traseiros iguais
nas cadeiras dos cinemas com seus filmes iguais
nos estofados de seus carros demais
nos seus rabos cheios de culpa

Há pessoas demais nesta casa
E há pessoas demais na minha vida para que eu consiga gostar de todas elas

Pessoas demais e sempre mais pessoas
Como se uma máquina obscena vivessse a cuspir humanos como manequins numerados
Ou uma imensa vagina insana sempre fértil a vomitar seus regaços sem trégua
Centenas de milhares de um lote
Outras centenas de milhares de outro
Milhões, bilhões e a multiplicação nunca cessa
Todas iguais, todas demais
Cada vez menos humanas
Cada vez mais animais
Canibais num banquete de reis
Pessoas demais no mundo e cada uma delas acreditando-se única
e perfeita
e especial
Todas na infindável busca por ser diferente
Atrás do seu pequeno e sonhado momento efêmero de fama
Com suas modas, filosofias, melancias, tinturas de cabelo, pseudopolícas e rasos intelectos

: nunca satisfeitas

Pessoas mais que formigas
Não mais interessantes que formigas
Nascendo e morrendo todos os dias sem nunca se cansar
Empilhando-se em edifícios, beliches, favelas
Sugando a alma umas das outras
Sugando o tempo e o espaço umas das outras
Implorando por um minuto de atenção umas das outras
Pessoas devorando pessoas
Embriagadas de sangue e suor e sexo
Pessoas fazendo pessoas para chamar de suas
Ludibriando a si mesmas acreditando-se amadas e queridas e insubstituíveis
Quando todas elas demais
Odeiam demais a si mesmas
E vendem barato seus corpos banais por um amor que desconhecem

Pessoas culpando Deus pelos seus fracassos de liquidação
Pessoas culpadas demais pelos seus enganos coletivos
Enlouquecendo e fazendo das suas próprias loucuras as novas leis
Trancafiando umas as outras em suas penitenciárias sociais
Propagando fome,
miséria,
guerras,
música ruim,
falsas religiões
e lixo e doenças e toda a merda que puder sair de seus cus voltados para o sol
Tudo pelo dinheiro
Tudo pelo agora
Tudo pelo que puder ser exclusivo para realizar seus sonhos de se tornarem deuses
grandes o suficiente para poder esmagar todas as outras com um tapa
E enfim poder tornar ao estado natural
Nuas
No silêncio perfeito da ausência dos outros
Um sibilar melodioso do chocálho de uma cascável
e o fruto proibido.

- Charles Bukowiski,
O Amor é um Cão dos Diabos

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