A minha vida, tragédia caída sob a
pateada dos anjos e que só o primeiro acto se representou.
Livro do Desassossego
Amigos, nenhum. Só uns conhecidos que
julgam que simpatizam comigo e teriam talvez pena se um comboio me
passasse por cima e o enterro fosse em um dia de chuva.
O prémio natural do meu afastamento da
vida foi a incapacidade, que cirie nos outros, de sentirem comigo. Em torno a
mim há uma auréola de frieza, uma halo de gelo que repele os outros. Ainda não
consegui não sofrer com minha solidão. Tão difícil é obter aquela distinção de
espírito que permeia ao isolamento ser um repouso sem angústia.
Nunca dei crédito à amizade que me
mostraram, como não teria dado ao amor, se mo houvessem mostrado, o que aliás,
seria impossível. Embora nunca tivesse ilusões a respeito daqueles que se
diziam meus amigos, consegui sempre sofrer desilusões com eles – tão complexo e
sutil é o meu destino de sofrer.
Nunca duvidei que todos me traíssem; e
pasmei sempre quando me traíram. Quando chegava o que eu esperava, era sempre
inesperado para mim. Compreendi que era impossível a alguém amar-me, a não
ser que lhe faltasse de todo o senso estético – e então eu o desprezaria por
isso; e que mesmo simpatizar como não podia passar de um capricho da
indiferença alheia.
Ver claro em nós e em como os outros
nos vêem! Ver esta verdade frente a frente! E no fim o grito de Cristo no Calvário,
quando viu, frente a frente, a sua verdade; Senhor, senhor, por que me
abandonaste?
- Fernando Pessoa,
Um comentário:
Caro Alan,
Fernando Pessoa é extraordinário! Parece ter algo a dizer em cada passagem da nossa vida.
Um abraço do seu,
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