"A literatura tem essa magia de nos tornar contemporâneos de quem quisermos." (Inês Pedrosa)

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Raciocínio

Uma das regras fundamentais do raciocínio é distinguir o fundamental e o acidental em determinada teoria, distinguir a teoria essencial e a aplicação particular que um ou outro lhe dê. Assim, se discutirmos o problema da existência de Deus, devemos começar por definir o que se entende por Deus nesse problema. Se se entende, como é de presumir, um ente espiritual supremo, criador do mundo, então, nesse sentido, examinaremos o problema, não o misturando com o problema acidental da existência ou não existência de um Deus omnipotente, ou bom, ou infinito. Este último é um conceito particular de Deus, não o conceito geral. É concebível um ente criador finito do mundo; é concebível um criador do mundo que não seja mau nem bom; é concebível um criador do mundo que não seja omnipotente. Cumpre, em suma, distinguir a ideia geral de Deus da ideia particular de Deus na Igreja Católica ou qualquer outra Igreja. Sem fazer esta distinção, não estaremos examinando o problema, mas outro problema.

Por isso o que há de fundamental em raciocínio é definir os termos que se vão empregar, ou os que se vão analisar. Muitas discussões resultam frustes e inúteis porque, girando em torno de certo termo, cada contendor dá a esse termo um sentido diferente; de modo que, julgando que estão discutindo a mesma coisa, estão, ao contrário, discutindo coisas diferentes. Já tem sucedido, por este erro, estarem discordando contendores que estão de acordo, e que o verificariam logo se começassem por definir, limitar, compreender o que é que, em suma, estão discutindo.

(Textos Filosóficos . Vol. II. Fernando Pessoa)
[Imagem: Ben Goossens]

3 comentários:

Richard Mathenhauer disse...

Você traz fragmentos muito interessantes!

Eu gosto (e por isso não é raro deixar de repeti-la) da frase do Drummond: Lutar com as palavras é a luta mais vã.

O que me assombra nas disputas da retórica, é que nem sempre se almeja a verdade, mas vencer. É mais ou menos o que ocorre nos tribunais: não importa a verdade, mas a força da lógica aplicada na defesa ou na acusação.

Com admiração,

Alan Tykhé disse...

Logo vou preparar uma sessão só para o Drummond. rs

Isso mesmo meu caro, sempre com boas observações. As vezes predomina na dialética a disputa do trofeu da vaidade para o ego e se ignora o verdadeiro prêmio que seria a verdade além da vaidade!

Um abraço!

Cris disse...

eu já li esse texto antes...(?)

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